Espírito Santo, Eucaristia, Maria

Introdução

A vinda do Espírito Santo ao ventre de Maria (cf. Lc 1,35) é um prelúdio da Pentecoste e também da ação do Espírito Santo no mistério eucarístico, como atualização do mistério de Cristo Redentor. «Foi desde a Pentecoste, de fato, que começaram os ‘Atos dos Apóstolos’, da mesma forma que pela obra do Espírito Santo na Virgem Maria Cristo foi concebido, e pela descida ainda do Espírito Santo sobre Cristo em oração, Ele foi impelido a iniciar seu ministério” (Concílio Vaticano II, Ad Gentes 4).

Obra mais esplêndida do Espírito Santo

Lembramos as palavras de João Paulo II, na mensagem radiofônica de domingo, 7 de junho de 1981, após as segundas vésperas da Pentecoste em Santa Maria Maior: «a obra mais esplêndida realizada pelo Espírito Santo através da encarnação… foi consumada com consentimento consciente e com o humilde ‘fiat’ daquela que, tornando-se a Mãe de Deus, disse de si mesma: ‘Eis-me aqui, sou a serva do Senhor’… Maria de Nazaré, a serva do Senhor da linhagem de Davi, tornou-se a verdadeira Mãe de Deus: Theotokos».

A invocação do Espírito Santo (“epiclese“) na celebração eucarística também rememora o mistério que ocorreu no seio de Maria e que, na celebração eucarística, acontece de maneira nova: tornar presente Jesus sob as espécies eucarísticas e nos transformar nele, também em relação a Maria, Mãe da Igreja. São João Damasceno explica a “epiclese” com estas palavras: «Perguntas como o pão se converte no corpo de Cristo?… Basta ouvir que é pela ação do Espírito Santo, da mesma maneira que, graças à Santíssima Virgem e ao mesmo Espírito Santo, o Senhor, por si e em si mesmo, assumiu a carne humana».

Sem Maria não existe Eucaristia

A “memória” de Maria na oração eucarística, cujo texto remonta pelo menos ao séc. III tem, portanto, uma dimensão pneumatológica e eclesiológica. O mistério da Encarnação, pela obra do Espírito no ventre de Maria, acontece agora de maneira nova por meio da presença de Cristo na Eucaristia, ao mesmo tempo em que Maria está presente no meio da comunidade eclesial.

A Missa antiga de 1º de janeiro (séc. IV), na oração sobre as ofertas diz assim: «Senhor, os dons que oferecemos sobre o altar, sejam acolhidos pela bondade do Espírito Santo, que encheu o ventre de Maria com o esplendor da sua verdade». Ao invocar o Espírito Santo (“epiclese“) para que transforme o pão e o vinho no corpo e no sangue do Senhor, recordamos a presença e o exemplo de Maria. Com Ela e como Ela, a Igreja diz o “sim” (“amém“), que a faz tornar-se portadora de Cristo.

A relação entre a Eucaristia e Maria é aprofundada à luz da ação do Espírito Santo. O texto do Comum de Santa Maria in Sabato, tempo de Pentecoste, e as Missas votivas de Nossa Senhora aludem a Maria portadora do Espírito, modelo de fidelidade e figura da ação do Espírito na Igreja.

«Tu quiseste, Pai, que ao anúncio do anjo a Virgem Imaculada concebesse teu Verbo eterno, e envolta pela luz do Espírito Santo tornasse-se templo da nova aliança: faça que aderamos humildemente à tua vontade, como a Virgem confiou na tua palavra» (Coleta de 20 de dezembro).

Nos textos litúrgicos recorda-se essa relação, especialmente no tempo do advento. A oração sobre as ofertas no IV Domingo do Advento diz: «Aceita, ó Deus, os dons que apresentamos no altar, e consagra-os com o poder do teu Espírito, que santificou o ventre da Virgem Maria». Esta oração ratifica a relação entre o Espírito Santo e o sacrifício eucarístico, ao mesmo tempo que oferece um paralelismo perfeito entre o que aconteceu em Nazaré na Virgem Maria (a Encarnação do Senhor) e o que acontece na celebração eucarística.

Os mesmos conteúdos são coletados no Prefácio do Advento II/A: «Do ventre virginal da Filha de Sião brotou aquele que nos alimenta com o pão dos anjos e irrompeu para todo o gênero humano a salvação e a paz». No Prefácio Comum VI, que é tomado da Oração eucarística II, ora-se ao Pai com estas palavras: «Ele (Jesus) é a tua Palavra viva… feito homem pela obra do Espírito Santo e nascido da Virgem Maria».

Portanto, na Oração Eucarística pede-se que o mesmo Espírito Santo, que veio ao ventre de Maria para a concepção virginal de Jesus, “nos reúna em um único corpo“, isto é, nos transforme em Jesus “pela comunhão ao corpo e ao sangue de Cristo“. A Eucaristia é o “memorial da morte e ressurreição” do Senhor (Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium 47) e, portanto, em sua celebração, recordamos o fruto da redenção em Maria e nos santos, e ao mesmo tempo, a colaboração de Maria na mesma redenção.

Em cada época histórica, inclusive na nossa, o Espírito Santo impulsiona a Igreja a orar “com Maria“, para se tornar “um só coração e uma só alma“, corajosa na evangelização, por meio da escuta da Palavra e da celebração eucarística (cf. At 1,14, em relação a At 2,42-47; 4,31-35). Estes momentos eucarísticos e marianos são os mais fecundos na história da Igreja. Paulo VI, na exortação apostólica Evangelii nuntiandi, afirmava: «Na manhã da Pentecoste, ela presidiu com sua oração ao início da evangelização, sob a ação do Espírito Santo: seja ela a estrela da evangelização sempre renovada que a Igreja, dócil ao mandato do seu Senhor, deve promover e realizar, especialmente nestes tempos difíceis mas cheios de esperança” (Evangelii Nuntiandi 82; cf. Ad Gentes 4; Redemptoris Missio 92).

Espiritualidade mariana e presença eucarística de Cristo

O mistério eucarístico é celebrado e vivido na Igreja segundo estes aspectos: presença, sacrifício, comunhão, comunicação do Espírito, ministério, missão e escatologia. A espiritualidade eucarístico-mariana fundamenta-se na presença ativa e materna de Maria em todos estes aspectos do mistério eucarístico.

No radio-messagem após o véspero da Pentecoste em Santa Maria Maior (7 de junho de 1981), João Paulo II afirmava: «Vimos aqui porque, recordando de modo particular a presença de Maria no nascimento da Igreja, fixamos o olhar em sua admirável maternidade, que é para nós esperança e inspiração nos caminhos da missão herdada dos Apóstolos». Maria é o paradigma da nossa santificação, que ocorre pela obra do Espírito Santo com o objetivo de nos configurar e unir a Cristo. Maria torna-se “memória” (“anamnese”) para a Igreja, que invoca o Espírito de santificação (“epiclese”) para tornar-se “comunhão” (“koinonia”) como reflexo de Deus Amor, Uno e Trino.

O “sinal grandioso” neste caminho é “a mulher vestida de sol” (Ap 12,1), que já alcançou a escatologia. O que aconteceu em Maria, acontece agora na Igreja, de modo e grau diferentes. A presença real de Cristo na Eucaristia tem o significado de “Aliança”, de declaração de amor (cf. Mt 26,27; Jo 13,1). É uma presença aceita com fé ancorada nas palavras de Cristo (cf. Jo 6,44), com a atitude mariana de escuta e resposta (cf. Lc 1,29.38), de fidelidade contemplativa (cf. Lc 2,19.51), de associação esponsal na dimensão da nova Aliança (cf. Jo 2,4-5; 19,25-27).

É uma presença confiada à Igreja que lembra a atitude mariana de colocar Jesus no presépio: “Há dois mil anos, a Igreja é o berço onde Maria coloca Jesus e o confia à adoração e contemplação de todos os povos” (São João Paulo II, Incarnationis mysterium 11). Maria em Belém, “cheia do Espírito, deu à luz o Primogênito da nova criação” (São João Paulo II, Incarnationis mysterium 14) e “indica a todos o caminho que conduz ao Filho” (Ibidem).

Santa Maria Maior é também chamada “Sancta Maria ad Praesepe”, pelo fato de conservar o presépio ou berço de Jesus. A presença de Maria na comunidade pós-pascal que celebra a Eucaristia (cf. At 1,14; 3,42-47) é uma realidade permanente e atual, como “presença” ativa e “materna” (cf. Redemptoris Mater 24). O fato de que o discípulo amado acolheu Maria “em sua casa” (Jo 19,27), lembra a toda a comunidade uma atitude de “comunhão de vida” (Redemptoris Mater 45) com ela, em todos os momentos da vida eclesial e no momento central da Eucaristia. Maria está “no coração da Igreja” (Redemptoris Mater 27).

A presença salvífica de Cristo na comunidade é em todo momento acompanhada por Maria associada à obra redentora, como Mãe da Igreja, Corpo Místico do Senhor. A relação entre o Corpo Místico de Cristo e seu corpo eucarístico confere um significado peculiar à presença de Maria na celebração eucarística. Maria, Mãe do corpo físico do Senhor, colabora no crescimento do Corpo Místico de Cristo também em relação ao corpo eucarístico. Na Eucaristia está presente o mesmo corpo de Cristo nascido de Maria e presente na Igreja. Maria continua a ser Mãe de Cristo presente na Eucaristia.

Nesta perspectiva, pode-se compreender a afirmação de Paulo VI em “Marialis cultus”: «Maria como modelo da atitude espiritual com que a Igreja celebra e vive os divinos mistérios» (Marialis cultus 16). A Igreja é atenta às palavras de Maria: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5). Com esta atitude mariana, a Igreja escuta e pratica as palavras eucarísticas do Senhor que o tornam presente de um modo novo no meio da comunidade: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19). Nesta dimensão eucarística, a Igreja realiza a incumbência de Jesus: “Eis a tua Mãe” (Jo 19,27).

Os Santos têm destacado a relação entre a Eucaristia e Maria, especialmente ao lembrar o pão da vida, pão eucarístico, que foi formado no ventre de Maria e é o “pão da Virgem” (S. João de Ávila, Sermão 39,28). Este grande santo, contemporâneo de S. Inácio, Santa Teresa e S. João da Cruz, possui uma profunda doutrina eucarística e mariana. Tem um sermão muito profundo sobre a “Nossa Senhora da Neve” (5 de agosto de 1547). Apresenta também a relação entre a Encarnação e a Eucaristia (cf. Sermão 55, 235ss). A espiritualidade mariana em relação à presença eucarística torna-se atitude relacional com Cristo, cuja presença exige a nossa presença e intimidade: celebração, adoração, memória. A espiritualidade mariana torna-se memória vivida da presença eucarística.

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