São Gregório de Nissa: grande face da Mariologia

Hoje celebramos uma face da Mariologia: São Gregório de Nissa, pensador e místico do século IV. Numa época em que se lutava contra a heresia ariana que negava a divindade de Cristo através da da propagação das disposições Conciliares de Niceia encontramos Gregório. Este Padre da Igreja proclama a plena divindade de Cristo, a sua eternidade, a sua co-substancialidade com o Pai. Em sentido contrário, Eunômio de Cízico propunha a heresia ariana através de um insidioso racionalismo e ainda a heresia de Apolinário que se difundia, a qual refuta de reconhecer no Verbo encarnado uma natureza humana normal e completa.

Perante o ataque à verdadeira humanidade e verdadeira divindade torna-se então necessário um desenvolvimento da verdade mariológica que São Gregório sobre empreender. Monge de vida ascética o Nisseno foi consagrado Bispo de Nissa em 371 onde se opôs vigorosamente ao arianismo. Em 376 um sínodo de Bispos arianos depuseram-no como Bispo com a conivência da corte imperial mas esta afronta duraria pouco porque com a morte do imperador Valente em 378 Gregório foi restabelecido no seu episcopado em Nissa. Em 381 aconteceu o Concílio de Constantinopla no qual ele teve uma intervenção decisiva e mais tarde viria a participar no seu último ano de vida no Sínodo de Constantinopla em 394. 

Sobre a Virgem Maria Gregório expõe o seu pensamento mariológico numa homilia sobre o nascimento de Cristo, no tratado sobre a Virgindade, no Comentário sobre Cântico dos Cânticos, na vida de São Gregório Taumaturgo e nas obras polémicas contra Eunômio e Apolinário.  

O pensamento mariológico do autor em linha geral é desenvolvido para salvaguardar a união hipostática da natureza humana e daquela divina do Verbo encarnado. A heresia de Apolinário afirmava que na natureza humana do Verbo existia apenas o corpo privado de uma alma racional pois esta dependia apenas do Verbo divino. Para salvaguardar a perfeita e completa humanidade de Cristo Gregório vai insistir sobre a verdadeira e real maternidade de Maria e escreve:

«Todos aqueles que professam a reta fé, também eu declaro de acreditar que o mesmo (Jesus) é Deus e homem; não da forma como pensa Apolinário. Na verdade, a realidade não é como ele a vê, isto é, que a divindade se torna qualquer coisa de terreno e a humanidade qualquer coisa de celeste. Em sentido contrário é a potência do Altíssimo que, por meio do Espírito Santo, cobriu a natureza humana e esta foi deste modo formada; isto significa que a porção de carne foi plasmada na Virgem imaculada. Este é o motivo pelo qual Aquele que nasceu é chamado de Filho do Altíssimo. Com efeito, a divina potência torna possível uma certa afinidade da natureza humana com Deus, enquanto a carne torna possível a Deus uma certa parentela com o homem» (PG 45,1136).

Das palavras de Gregório podemos deduzir que a verdadeira encarnação no seio da Virgem Maria corresponde à verdadeira maternidade divina. Neste sentido o título Theotokos é critério de ortodoxia pois como diz o Nisseno:

«Se anunciamos a voz alta e testemunhamos que Cristo é a potência e sabedoria de Deus (cf. 1 Cor 1,24), sempre imutável, sempre incorruptível; que todo aquele que habita num corpo mutável e corruptível, esse, todavia, não permanece sujo, mas se purifica mesmo aquele que é sujo, qual é a nossa vontade incorreta e porque nos deixamos levar pelo ódio? Que coisa significa estes novos altares elevados contra nós? Talvez porque anunciamos um Jesus diverso? Talvez indicamos um outro? Proclamamos porventura uma Escritura diversa? Algum de nós terá ousado chamar a uma mãe de um homem a Virgem Theotókos, como nós ouvimos alguns fazer de forma irreverente?» (PG 46, 1024).

Como podemos ver pelo testemunho de Gregório, a luta é acesa porque não respeita a Sagrada Escritura. A natureza humana de Cristo não era uma realidade preexistente mas foi assumida no seio de Maria e possuía os requisitos de um ser humano ligado ao corpo e à alma. Para além do mais, o Filho de Maria é o homem novo aquele perfeito pois isso afirma no Nisseno:

«Quando o Espírito Santo veio sobre a Virgem e a potência do Altíssimo a cobriu com a sua sombra, o homem novo foi formado n’Ela. Este foi chamado de novo porque foi plasmado a partir de Deus não segundo o hábito humano, mas diversamente, para que se tornasse uma morada de Deus não feita por mãos humanas, do momento que o Altíssimo não habita em obras feitas pela mão humana, isto é obras predispostas pelos homens. Então a Sabedoria construiu para si uma casa (Prov 9,1) e a potência formou dentro uma imagem, como uma  espécie de selo. Então a potência divina se misturou como ambos os elementos que constam da natureza humana; quero dizer a alma e o corpo, unindo-se igualmente a uma e outra. Ambos estes elementos são submetidos à morte por causa da desobediência: pela alma a morte consiste na separação da verdadeira vida; para o corpo é a corrupção e a dissolução. Portanto a morte deve ser expulsa mediante a conjunção destes dois elementos com a vida. E tal como, portanto, a divindade se uniu a ambos os elementos do homem, em ambos se manifestaram os sinais notáveis de uma natureza superior» (PG 46,316).

Como podemos prever São Gregório quando assinala os ‘prodígios de natureza superior’ está a referir-se ao prodígio da virgindade de Maria. O nascimento virginal de Jesus tinha sido prefigurado nas profecias messiânicas do Antigo Testamento. Obviamente não foi esquecida a profecia de Isaías quando o Nisseno ilustra:

«Escuta Isaías que proclama: ‘um menino nasceu para nós; um Filho nos foi dado’ (Is 9,6). Aprende do mesmo profeta como nasceu o menino, como um filho nos foi dado. Talvez tenha sido em conformidade com a lei da natureza? O profeta o nega. O Mestre da natureza não obedece às leis da natureza. Mas como nasceu o menino? Diz-me. O profeta responde: ‘Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho que o chamarão de Emanuel’» (Is 7,14) o qual traduzido significa: Deus-com-nós. Oh evento maravilhoso! A Virgem torna-se mãe e permanece virgem! Observa esta novidade da natureza. Todas as outras mulheres, enquanto permanecem virgens não se tornam mães; quando uma se torna mãe não conserva a sua virgindade. Aqui, em sentido contrário, os dois termos se atribuem à mesma pessoa. É a mesma mulher que se apresenta, de facto, como Mãe e como Virgem, já que nem a virgindade foi obstáculo ao seu parto, nem a maternidade eliminou a virgindade. Convinha de facto que o Redentor, entrado na vida humana para tornar-nos a todos incorruptíveis, tomasse origem ele mesmo numa geração incorruptível. Na realidade, seguindo o nosso modo de falar, foi ilibada a mulher que não teve relação com o homem» (PG 46,1133-1136).

Conclusão

Muitos mais escritos mariológicos podemos encontrar na obra de São Gregório contudo aquele que acabou por significar mais do ponto de vista litúrgico-iconográfico foi a leitura da teofania veterotestamentária da sarça ardente em chave mariana. Assim nos fala o Bispo de Nissa:

«A mim parece que ainda antes que Moisés tenha conhecido este mistério através daquela luz na qual Deus lhe apareceu, quando viu a sarça arder sem se consumar (Ex 3,1ss) Disse Moisés: ‘quero aproximar-me para ver esta grande visão’. Creio que com o termo ‘aproximar-se’ quisesse indicar não uma questão local mas uma aproximação no tempo. Aquilo que de facto foi prefigurado na chama e na sarça, percorrido o tempo intermédio, foi abertamente manifestado no mistério da Virgem. Como sobre o monte a sarça ardia mas não se consumia, assim a Virgem deu à luz e não se corrompeu. Nem te parece inconveniente a semelhança com a sarça, que prefigura o corpo da Virgem, a qual deu à luz Deus».

São Gregório atribui um grande valor ao sinal, capaz de suscitar naquele que o observa atentamente o espanto e a admiração, disposições basilares para nos aproximar-mos do sobrenatural. O sinal, na realidade, através dos seus conteúdos sensíveis, nos introduz na visão de fé do mistério divino e nos ajuda a adquirir uma certa inteligência mística.

A explicação de Gregório sobre o mistério do nascimento é claramente de natureza moral pois para os Padres da Igreja Jesus nasce para libertar os homens da corrupção do mal. A incorrupção virginal é então parte de uma geração incorruptível e de um nascimento também ele incorruptível que indica a integridade física, moral e como tal a Santidade objetivo de toda a existência humana.    

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