Jesus foi submisso a São José ?

Concluído o episódio do templo, em apenas três linhas São Lucas resume a juventude de Cristo. Aqui estão elas:

“Então ele partiu com eles e voltou para Nazaré e foi-lhes submisso. Sua mãe guardava todas essas coisas em seu coração. E Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens”

(Lc 2,51-52)

O texto não menciona explicitamente José, que, no entanto, está incluído nas expressões partiu com eles e ele foi-lhes submisso. Partiu com Maria e José, foi submisso a Maria e José.

Não se sabe por quantos desses anos Jesus foi submisso a José: de fato, por mais que lamentemos, não temos como saber quando faleceu. A afirmação de que isso aconteceu antes de Jesus começar a vida pública é geralmente aceita: um consentimento baseado em evidências e argumentos razoáveis ​​e dificilmente questionáveis. Qualquer que seja o número de anos vividos por José, não há dúvida de que, entre seu retorno do Egito e o momento em que, depois de sua missão, adormeceu para a eternidade, ele é lembrado apenas em relação à viagem feita a Jerusalém, por ocasião da Páscoa. Nada mais, depois disso, senão alguma alusão indireta.

Isso não significa que a partir daquele momento sua vida a sua missão ao lado de Jesus e Maria tenham perdido importância; mas apenas que nada de extraordinário aconteceu, nada que, transcendendo os limites da normalidade, deveria ser mencionado.

Quando o Evangelho diz que Jesus “foi-lhes submisso”, deve-se entender, sobretudo ou principalmente, que ele os obedeceu, que foi dócil à autoridade de Maria e José. E como José era o chefe da família, Jesus estava particularmente sujeito à sua autoridade. Não uma autoridade puramente teórica, formal: uma autoridade real e exercida. Não se poderia dizer de Jesus que ele obedeceu se não havia nada a obedecer e, portanto, alguém a quem obedecer.

Alguns textos, nas margens da Bíblia, ilustram as obrigações (ou pelo menos algumas obrigações) que os pais tinham em Israel para com seus filhos. Ambos os tipos de educação, na lei de Deus e em um ofício, requerem um professor e um discípulo: alguém que saiba e ensine, e outro que ignore e aprenda. Até aos doze anos, ou seja, até Jesus ter a personalidade jurídica que reconhecia os homens perante a lei, oferecendo a possibilidade – e ao mesmo tempo a obrigação – de visitar o templo na Páscoa, obedeceu aos pais como todas as crianças, e é evidente que ele estava sujeito a eles. Por que, então, São Lucas – ou melhor, o Espírito Santo pela boca de São Lucas – considerou oportuno especificar que foi-lhes submisso em seu retorno a Nazaré, após o episódio do templo? E por que ele refere a sentença a esse momento, e não antes aos anos anteriores, anteriores à adolescência, também em que, evidentemente, foi submetido a eles?

Que José tinha e exerceu autoridade é indiscutível. Não é possível educar sem dizer o que deve ser feito, o que é bom e o que é ruim, qual comportamento deve ser preferido. Jesus, como todas as crianças, aprendeu a andar e a falar, a distinguir objetos e a manuseá-los, a se virar sozinho pouco a pouco. Tanto Maria como José foram mestres para ele e, do ponto de vista humano, essa influência marcou sua personalidade. Não sabemos se antes do episódio do templo houve a necessidade de recuperá-lo – e se foi Maria ou José que o fez – por causa de alguns dos erros característicos de uma criança em desenvolvimento. Sabemos, por outro lado, que no episódio do templo há um sentido sobre o qual nossa atenção é convidada a abster-se de uma frase trivial apenas na aparência: foi-lhes submisso, expressão que distingue claramente a submissão subsequente a essa circunstância da submissão que Jesus havia mostrado até então.

No templo, naquela viagem feita a Jerusalém para a Páscoa, Jesus assume pela primeira vez uma atitude nova e diferente da habitual; por isso o futuro não pode mais ser idêntico ao passado. Jesus permanece submisso, José mantém a autoridade familiar. Mas tanto a obediência de Jesus quanto a autoridade de José assumem um novo tom. Jesus subtraiu explicitamente uma parte de sua vida da autoridade familiar, enfatizando sua própria independência no que diz respeito às coisas do Pai. Ele, por um breve momento e com toda clareza, manifestou-se a eles como o Messias, e nada poderá se desdobrar, a partir de então, como se isso não tivesse acontecido. Especificar, depois deste acontecimento, que ele estava sujeito a eles, equivale, portanto, a enfatizar que Jesus não só obedeceu voluntariamente e em plena consciência a tudo o que estava sob a autoridade de José e Maria, mas também que o fez com uma determinação acrescida, com uma liberdade acentuada, como para sublinhar a importância da união familiar, para confirmar que na família nunca devem faltar um guia e uma autoridade.

Quanto à Lei, a essa altura, José tinha pouco ou nada para ensinar a Jesus; não tanto quanto no trabalho. José manteve-se dentro dos limites dentro dos quais era obrigado a exercer autoridade, e Jesus continuou a se sujeitar a ele como sempre. Não podemos pensar, porém, em ordens e injunções, e em obediência servil: o exercício da autoridade devia ser um costume tranquilo, tanto pela atitude de Jesus quanto pela consciência que José possuía de sua própria condição. 

Se Deus quis que o seu Filho, no que diz respeito à humanidade, seguisse a ordem que estabeleceu ao nascer, ao crescer e ao educar-se numa família, é evidente que quis para Jesus tudo o que esta ordem comporta . Deus, portanto, queria que Jesus vivesse em sujeição e obediência à autoridade familiar, para se deixar educar e aprender um ofício; e, portanto, era necessário que houvesse alguém a quem se sujeitar, alguém que tivesse autoridade para comandar, a obrigação de educar e a vontade de ensinar-lhe o que era conveniente. Este papel, no que diz respeito à preparação humana de Jesus, foi confiado a José.

A expressão foi-lhes submisso implica, portanto, por um lado, tanto a ordem a que o Pai queria que o Filho Unigênito fosse submetido, quanto à vontade de Jesus de se submeter àqueles que o Pai havia escolhido para governar a família da qual fazia parte. Por outro lado, vemos tanto a obrigação, para José, de educar e formar Jesus, quanto, para Jesus, a obrigação de ser dócil, aprendendo o conhecimento humano necessário para se desenvolver no ambiente em que deveria ter vivido.

Geralmente, como é lógico, os comentadores do Evangelho, especialmente os Padres, concentram sua atenção no exemplo de Jesus. Por isso Santo Ambrósio vai afirmar:

«para que ninguém acreditasse que Cristo se emancipou, e que, para se dedicar aos interesses de seu Pai, negligenciou a obediência a seus pais. Ele então se retirou com seus pais, submetendo-se a eles, para que Aquele que pouco antes se manifestara como Deus ensinando os doutores de Israel, agora se mostrasse como homem, obedecendo ainda a seus pais, dando-nos um exemplo justo de humildade e reverência»

Aqui, no entanto, estamos considerando a figura e a conduta de José, porque queremos enfatizar sua exemplaridade; por outro lado, estamos cientes de que esta pesquisa pode ser útil para nossas vidas na medida em que nos levará a apurar fatos, mesmo que não explicitamente mencionados nas Escrituras. E é um fato certo que José era o chefe da família e que, em virtude disso, ele detinha a autoridade; que, como chefe da família, tinha o dever de educar Jesus, e para isso devia exercer essa autoridade, ensinando ou, se necessário, corrigindo. E, sem dúvida, ele também tinha que prover o sustento da família.

Em palavras, o raciocínio funciona sem problemas. Mas se você refletir com calma e atenção, não é difícil perceber que foi uma tarefa delicada, certamente não uma responsabilidade pequena.

É claro que Jesus nunca criou problemas ou dificuldades para José. De qualquer forma, no que diz respeito à educação – área em que se destaca muito claramente o exemplo de São José, e ao mesmo tempo nos oferece um modelo concreto e operativo -, José fez, em todos os casos e circunstâncias, tudo o que tinha que fazer. O objetivo é fazer o que deve ser feito, goste ou não, seja confortável ou desconfortável; de fato, se para buscar um resultado você fizer o que não deveria, ou se negligenciar o que deveria ter sido feito, será muito difícil que as coisas corram bem. O não cumprimento do dever nunca leva a bons resultados. Outra coisa bem diferente é a prudência dita a maneira de fazê-lo, ou o momento. Quem deixa de corrigir algo ruim por medo de uma possível reação não é prudente, é um covarde e, na verdade, prejudica aquela pessoa que só gostaria de se beneficiar.

Pela mesma razão é importante, para fins de educação, não equacionar o que é essencial e o que é acidental. De fato, se no primeiro caso qualquer transitoriedade pode ser deletéria, no segundo toda intransigência resulta em deformar e despertar sentimentos de irritação: é por isso que devemos ajudar as crianças a adquirir um espaço crescente de iniciativa e capacidade de escolha, proporcional à idade, dando-lhes um senso de proporção e deixando-os responder pelas consequências de suas decisões. Será o caminho mais adequado para que adquiram a maturidade progressiva vinculada ao progresso do desenvolvimento humano.

Concluindo: se os pais querem educar, devem exercer a autoridade, mas ao mesmo tempo devem saber exercê-la. Devem cumprir seu papel ensinando, corrigindo e até castigando, quando essa for a única maneira de evitar danos; e compreender, exigir, ajudar e desculpar no respeito constante da liberdade, através da qual poderão ver até onde ir e onde, em vez disso, na lei de Deus e ensinar-lhes um ofício: quanto ao primeiro aspecto, consiste nas verdades necessárias para a salvação (também necessárias para viver em paz no mundo). Este é o objetivo mais essencial da educação, pois, se falta o temor de Deus, perdem-se todas as garantias, e se as crianças baseiam sua vida em falsos princípios e não na verdade, só pode surgir uma existência precária bem como um grave risco para a salvação eterna. Os pais devem, portanto, educá-los na lei. Quanto ao segundo aspecto, trata-se de permitir que os filhos ganhem a vida honestamente e tenham uma família; porém, ao mesmo tempo, é preciso respeitar suas atitudes, propensões e desejos, aconselhando e não impondo, sem confundir com estímulo o que seria recompensa pela preguiça e conforto.

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