São João Eudes (m. 1680) e o Imaculado Coração de Maria

São João Eudes

Nascido em 1601 em Ri, na Normandia, de uma família camponesa, estudou no colégio jesuíta de Caen, onde fez parte de uma fervorosa Congregação Mariana. Em 1623 entrou para o Oratório e beneficiou do contato com Pierre de Bérulle, que o levou a fazer o voto da santa escravidão, e com Charles de Condren, a quem lhe será sempre grato. Ordenado sacerdote, dedicou-se às missões populares (pregou em mais de 100 missões no noroeste da França entre 1632 e 1674). Em 1643 deixou o Oratório para fundar a Congregação de Jesus e Maria com o objetivo de primeiro formar o clero nos seminários e depois de pregar as missões. 

Em 1648 celebrou, com a aprovação do bispo de Autun, a festa litúrgica do Coração de Maria e em 1672 em todas as suas comunidades a do Sagrado Coração de Jesus

Morreu em Caen em 1680. Foi beatificado em 1909 e canonizado em 1925.

Produção mariológica

Os muitos escritos do Santo têm um caráter eminentemente pastoral e espiritual e são inspirados em Bérulle, mas em um estilo mais adequado aos fiéis leigos. Seu livro mais conhecido e reimpresso é A vida e o reino de Jesus nas almas cristãs (1637), completado por Contrato do homem com Deus através do Batismo (1654). Eudes funda a existência cristã no sacramento fundamental do batismo, que ele comparou a um contrato de aliança no qual Deus nos comunica a sua vida e nós comprometemo-nos a viver como filhos de Deus e a conformar nossa vida à de Cristo. 

Todos são, portanto, chamados à santidade: «todos os cristãos, qualquer que seja o estado ou condição a que pertençam, são obrigados, como cristãos e membros de Jesus Cristo, a viver a vida de sua cabeça, isto é, uma vida completamente santa» (A vida e o reino de Jesus nas almas cristãs, 6,1). Um exemplo perfeito desta vida em Cristo é Maria, que por si mesma «não é nada, não tem nada, não pode fazer nada»; Jesus «é tudo nela: ele é o seu ser, a sua vida, a sua santidade, a glória, o poder e a grandeza» (A vida e o reino de Jesus nas almas cristãs 3,11).

Trabalhando por muitos anos e concluindo-o poucas semanas antes de sua morte, compôs o livro mariano o Admirável Coração da Santíssima Mãe de Deus ou a devoção ao Santíssimo Coração de Maria (1681). Eudes pretende suprir a falta de um livro que «motive os corações dos leitores à veneração e à devoção particular ao seu amável Coração».

Inspirado nas 12 estrelas da Mulher do Apocalipse, ele divide o Admirável Coração em 12 livros e por ser um número universal também o aplica em algumas subdivisões. Justamente chamado de profeta do coração, Eudes unifica toda a vida espiritual no coração que ele entende como símbolo de interioridade e amor, mas também como presença e vida de Deus em nós: Deus é o coração do nosso coração. Esta realidade realiza-se de modo especial em Maria, em quem vive e reina perfeitamente o coração de Jesus, ao ponto de formar com ela um só coração. O santo fala, portanto, do coração de Jesus e de Maria, especificando que estão unidos pelo mesmo Espírito não em unidade de essência, mas de sentimentos, afeto e vontade. Além desta divisão, existe uma certa ordem sistemática, aliás, uma forte coesão interna, que consiste em apresentar a natureza do Coração de Maria, os fundamentos da devoção com referência particular ao Pai, ao Filho e o Espírito Santo, o Cântico do Coração de Maria, as razões e os meios para honrá-lo e, finalmente, um tratado sobre o Coração de Jesus

Devoção à Santíssima Virgem

Como Jesus deve ser honrado em Maria e Maria em Jesus

A devoção à Santíssima Virgem Mãe de Deus é tão bem-vinda ao seu Filho e tão recomendável, querida e familiar a todos os verdadeiros cristãos, que não há necessidade de recomendá-la àqueles que desejam viver de maneira cristã, como é o caso daqueles a quem dedicamos este livro.

Direi apenas que não temos que separar o que Deus uniu tão perfeitamente. Jesus e Maria estão de fato tão unidos que quem vê Jesus vê Maria, quem ama Jesus ama Maria e quem é devoto de Jesus também é devoto de Maria.

Jesus e Maria são os dois primeiros fundamentos da religião cristã, as duas fontes vivas de todas as nossas bênçãos, os dois termos de nossa devoção e os dois pontos de referência para os quais devemos olhar em todas as nossas ações e exercícios. Não é verdadeiro cristão quem não tem devoção à Mãe de Jesus Cristo e de todos os cristãos. Portanto, Santo Anselmo e São Boaventura afirmam que não é possível que aqueles que não são amados por sua Santa Mãe sejam acolhidos por Jesus Cristo, assim como aqueles a quem ela dirige seu olhar benevolente não podem perecer.

Acrescento ainda que, já que devemos continuar a praticar as virtudes e nutrir em nós os sentimentos de Jesus Cristo, devemos também continuar e nutrir em nós os sentimentos de amor, piedade filial e devoção que o próprio Jesus teve para com sua bem-aventurada Mãe. Então, ele a amou perfeitamente e a honrou de maneira sublime: escolheu-a para Mãe, entregou-se a ela como Filho, tirou dela um ser e uma nova vida, quis relacionar-se com ela, submetido a ela, aprendeu com ela como se comportar na infância e na vida escondida em Nazaré, fez dela Soberana do céu e da terra, glorificou-a e quis que ela fosse glorificada por todos. 

Pois bem, para continuar na terra a mesma piedade filial e a mesma devoção que Jesus teve por sua Mãe santíssima, devemos nutrir por ela uma devoção muito particular e honrá-la de maneira totalmente singular. Agora, para honrá-la como Deus espera de nós e como ela mesma deseja, devemos fazer três coisas:

Em Maria, adorar Jesus

1. Em Maria devemos olhar e adorar o seu Filho: olhar e adorá-lo apenas a ele. Assim, de fato, ela quer ser honrada, sabendo muito bem que sozinha ela não é nada, mas que seu Filho Jesus é tudo nela: ele é seu ser, sua vida, sua santidade, sua glória, seu poder e sua grandeza. Devemos agradecer a Jesus a glória que desejava receber nela e por ela. Devemo-nos oferecer a ele e pedir-lhe que nos dê a Maria e disponha tudo para que nossa vida e nossas ações sejam consagradas para honrar a sua vida e as suas ações. Devemos pedir-lhe que compartilhe o amor que tinha por ela e suas outras virtudes. Devemos pedir a ele que nos use para honrá-la, ou melhor, para se honrar nela, da maneira que ele quiser.

Honrar a Maria

2. Devemos reconhecer e honrar Maria como Mãe de nosso Deus e depois como nossa Mãe e Soberana; agradecer-lhe por honrar, glorificar e servir a Jesus Cristo seu Filho e nosso Senhor; referir-se a ela, depois de Deus, nosso ser e nossa vida; depender dela e pedir-lhe que nos guie em tudo o que diz respeito à nossa vida; dar-nos a ela e submeter-se a ela como escravos, implorando-lhe que tome pleno poder sobre nós, disponha de nós segundo sua boa vontade para a glória de seu Filho, e nos una a todo o amor e louvor que ela lhe tributou e lhe oferece novamente por toda a eternidade.

É bom oferecer-lhe tais homenagens todos os dias e mais particularmente uma vez por semana ou pelo menos uma vez por ano. 

Várias maneiras de honrá-la

3. De muitas maneiras podemos e devemos honrar a Virgem digna de todas as honras:

– com pensamento e reflexão, considerando a santidade de sua vida e a perfeição de suas virtudes;

– com palavras, feliz em falar dela e saber de sua grandeza; 

– com ações, realizando-as em honra e em união com as suas; 

– com a imitação, comprometendo-nos a imitar suas virtudes, particularmente a humildade, a caridade, o amor puro, o desapego de tudo e a pureza que é totalmente divina. O pensamento desta virtude terá que incutir em nós o fortíssimo desejo de fugir, temer e detestar com horror, mais do que a morte, tudo, mesmo o menor que seja contrário à pureza, em pensamentos, palavras e ações.

Finalmente, podemos honrar a Santíssima Virgem com orações e exercícios de piedade, como o rosário, que deve ser caro a todos os cristãos; o ofício de Nossa Senhora, para ser recitado em comunhão com o amor e a devoção que Jesus teve por ela, em honra da vida de seu Filho e dela, de suas virtudes e ações.

Mais uma palavra. Dessa forma, todos os anos devemos honrar um mistério particular de Jesus – como mencionado acima – por isso é bom escolher cada ano no dia da Assunção da Santíssima Virgem, um de seus mistérios para honrá-lo mais particularmente durante o ano. Por isso indico aqui os principais mistérios da vida de Maria. [Recordamos que até à última reforma litúrgica, o Imaculado Coração de Maria era celebrado na oitava da Assunção, precisamente no dia 22 de Agosto!]

(traduzido e adaptado de: J. Eudes, Le royaunte de Jésus, in Oeuvres complètes, I, 337-340)

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