O monte Sinai e Maria

Introdução

É um fato: a tradição cristã apresenta uma extensa série de textos nos quais a Virgem Maria é comparada a uma montanha em geral. No entanto, vários desses trechos a saúdam como o novo Monte Sinai. Por quê? As raízes dessa comparação entre o Sinai e Maria podem ser encontradas na Bíblia, especificamente onde o Livro Sagrado fala da Aliança estabelecida entre Deus e o povo de Israel. Estamos no coração da revelação bíblica. É o evangelho de todo o Antigo Testamento. O que a Sinagoga professa em relação ao Monte Sinai, a Igreja proclamará sobre o Monte Calvário, o local da morte e ressurreição do Senhor Jesus.

No Monte Sinai, a Antiga Aliança foi ratificada. Três foram os protagonistas desse grande evento: Deus, Moisés e o povo (Ex 19,3-8). Deus, por meio de Moisés, Seu profeta-porta-voz, falou às tribos de Israel reunidas aos pés da montanha sagrada (Ex 19,3-7). Ele falou revelando Seu plano de estabelecer com eles um vínculo especial, uma “aliança“, fundada na aceitação de Sua Lei: «agora, se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis minha propriedade especial entre todos os povos, porque minha é toda a terra! Sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa». E todo o povo, devidamente instruído por Moisés sobre esse plano que vinha de Deus (Ex 19,7), respondeu unanimemente: “Tudo o que o Senhor disse, nós faremos” (Ex 19,8).

Com estas palavras, que permaneceram memoráveis na tradição judaica de todos os tempos, Israel deu o seu consentimento à aliança com o Senhor. Assim, seguiu-se o dom da Torá e a conclusão da aliança entre Deus e o povo (Ex 19,9-24,8). A partir desse dia, Deus tornou-se o Esposo de Israel, e Israel, a Esposa de Deus (cf. Ez 16,8). Em Nazaré, começou a Nova Aliança. “Nova” não apenas porque, em termos de tempo, é posterior à do Sinai, mas principalmente porque a supera em qualidade. Deus estava prestes a realizar um plano que Ele havia concebido desde a eternidade, “o mistério – como Paulo diria – mantido oculto por séculos eternos” (Rm 16,25).

Para se tornar ainda mais próximo de nós, como nosso “aliado“, Ele decidiu se tornar semelhante a nós, assumindo nossa carne e sangue, nosso rosto: em uma palavra, a nossa humanidade. Para realizar um projeto tão ousado – que claramente subvertia todas as expectativas – era claro que Ele precisava da colaboração de uma mulher. E a mulher escolhida para essa missão é Maria de Nazaré. A cena da Anunciação (narrada em Lc 1,26-38) revela como Deus pediu a ela o consentimento para dar início a essa forma de aliança. Também em Nazaré, como já ocorreu no Sinai, temos três protagonistas: Deus, o anjo Gabriel e Maria (Lc 1,26-38). Deus, por meio do anjo Gabriel (o novo Moisés!), revela a Maria (filha de Abraão e do povo de Israel descendente dele) a tarefa que estava prestes a lhe dar: tornar-se mãe de Seu Filho Divino, em quem está selada a Nova e Eterna Aliança entre o céu e a terra: “Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás um filho, darás à luz e o chamarás Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo; o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai e ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reino não terá fim“. E Maria, devidamente instruída pelo anjo (Lc 1,28-37), aceita a proposta divina com as famosas palavras: “Eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38). Após o “fiat” da Santa Virgem, o “Filho do Altíssimo” (Lc 1,32) se encarnou em seu ventre e se tornou “o filho de Maria” (Mc 6,3).

O Sinai e Nazaré se unem. A majestosa montanha onde a Antiga Aliança teve início agora dá lugar à humilde vila da Galileia, onde a Nova Aliança de Deus, homem entre os homens no seio de uma mulher, é inaugurada. A economia subjacente à associação Sinai-Nazaré emergirá mais tarde na meditação ponderada dos Padres e Escritores da Igreja. Seu ensinamento sobre esse tema não apenas se baseia nas Escrituras Divinas, mas também (parece) nas elevações espirituais elaboradas pelo judaísmo em torno do Sinai, considerado como o leito nupcial das núpcias entre Deus e Israel. Aqui estão algumas das formas desse matrimônio entre o Sinai e Nazaré, e (por reflexo) entre o Sinai e Maria.

O novo monte Sinai

O paralelo entre o Monte Sinai e a pessoa de Maria como o “novo Monte Sinai” sobre o qual a “Habitação” de Deus, a Shekiná, desceu é notável. Existem pelo menos quatro variações desse tema:

  1. A Maria é atribuído o Salmo 68,17: “Por que invejais, ó montes elevados, o monte que Deus escolheu como sua morada?“. No passado, esse monte foi o Sinai. Agora é Maria: ela é o monte que Deus escolheu como sua morada.
  2. O Monte Sinai, coberto pela nuvem (Êxodo 19,16), é uma figura de Maria, envolvida pela nuvem mística do Espírito Santo que desce sobre ela na Anunciação.
  3. São Tiago de Sarugo (m. 521), autor sírio, compara o papel de Moisés no Sinai ao do anjo Gabriel em Nazaré. Ele escreve: “Assim como quando anunciou ao povo a descida do Altíssimo sobre o monte, e assim que eles se purificaram, o Pai desceu sobre a montanha; da mesma forma, o Vigilante [Gabriel] trouxe a mensagem à Fiável [Maria], e assim que a ouviu, ela se preparou e Ele habitou nela“.
  4. Os Padres da Igreja frequentemente destacam o contraste entre as duas “descidas“. No Sinai, Deus desceu em uma nuvem escura, com trovões e relâmpagos (Ex 19,18-20). A teofania estava repleta de temor. Devido à mentalidade ainda imperfeita de seu povo, Deus se revelou em um cenário de sagrado temor, como o “Rei da tremenda majestade“. Em Nazaré após a conclusão da preparação milenar do Antigo Testamento, Deus silenciosamente pousou em Maria. A Palavra tomou residência nela como em uma montanha espiritual. Ele desceu de maneira pacífica, gentil e misericordiosa. São Efrem († 373) coloca nos lábios de Maria sobre seu Filho: “Como o Monte Sinai, eu te recebi, e não fui consumida por teu fogo violento, porque tu ocultaste esse fogo teu para que não me prejudicasse; e tua chama não queimou, que os serafins não podem contemplar“.

Cântico dos Cânticos

A segunda maneira de conectar o Sinai e Nazaré é sugerida pela forma como alguns versículos do Cântico dos Cânticos são interpretados pelos mestres do judaísmo (os rabinos) e pelos Padres da Igreja. Os rabinos aplicam esses versículos ao “fiat” de Israel no Sinai, enquanto os Padres da Igreja os relacionam ao “fiat” de Maria em Nazaré. Vou apresentar três casos:

Ct 1,2: «beija-me com os beijos da tua boca!»

A tradição judaica frequentemente associa este versículo à revelação de Deus no Monte Sinai: ali o Senhor-Esposo “beijou” Israel-Esposa com os beijos de Sua boca. Ele falou com ela face a face, dando-lhe a Torá. Alguns Padres da Igreja aplicam Cânticos 1,2 à Igreja e a Maria. Dizem que o Esposo-Cristo “beijou” a Esposa-Igreja no momento da Anunciação, quando a Palavra desceu no ventre virginal de Maria. Naquele ventre, o Esposo-Cristo e a Esposa-Igreja se tornaram uma só carne e uma só pessoa. Na Idade Média, dir-se-á que Deus beijou Maria com o beijo de Sua boca quando o Espírito Santo desceu sobre ela em Nazaré.

Ct 1,12: «enquanto o rei está à sua mesa, o meu nardo exala o seu perfume»

O famoso Rabi Judá b. Ilai (m. 150) deu a seguinte interpretação do versículo citado: “Enquanto o Rei dos reis, o Santo, bendito seja Ele, estava sentado à Sua mesa no firmamento, Israel exalava o seu perfume diante do monte Sinai, e disse: ‘Tudo o que o Senhor falou, faremos e ouviremos‘ (Ex 24,3.7)”. Ouçamos agora Ruperto de Deutz (m. 1130), que tinha intensos contatos com os rabinos de seu tempo:

«Enquanto Ele estava no seio, ou seja, no coração, do Pai, Ele olhou para a minha humildade a partir daquelas alturas extremas. Isso é o que digo: ‘Enquanto o rei estava em Sua cama, o meu nardo exalava o seu perfume’. O que era ou é, na verdade, a cama do rei, senão o coração ou o seio do Pai? … Na verdade, ‘No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus’ (João 1,1-12). Enquanto Ele estava assim, ‘o meu nardo exalava o seu perfume’, e Ele, deleitado com esse perfume, desceu em meu útero”. Ruperto, evidentemente, está se movendo na área da Anunciação. O “fiat” de Maria é o nardo que fez subir o seu perfume diante do Altíssimo».

Ct 2,14: «ó minha pomba, que te escondes nas fendas da rocha…, mostra-me o teu rosto, faz-me ouvir a tua voz; pois a tua voz é suave, e o teu rosto é formoso»

O famoso Rabi Aquiba (m. 135) interpretava este versículo em relação a Israel no Sinai, quando o povo se reuniu aos pés da montanha rochosa para receber a Lei. O Eterno exclama: “ó minha pomba…, faz-me ouvir a tua voz. Isso se refere ao que eles disseram antes que os mandamentos fossem dados, como está escrito: ‘Tudo o que o Senhor disse, faremos e ouviremos’ (Ex 24,7)”. Agora, vamos a esse famoso trecho de São Bernardo (m. 1153), escrito como comentário à Anunciação:

«Ó Virgem, dê imediatamente a sua resposta. Ó Senhora, pronuncie a palavra que a terra, o inferno e os céus esperam. O mesmo ‘Rei’ e Senhor de todas as coisas, assim como ‘anseia pela sua beleza’, assim também anseia por uma resposta afirmativa sua: é nessa resposta que Ele pretende salvar o mundo. Você o agradou quando estava em silêncio, ainda mais o agradará com a palavra, uma vez que Ele mesmo a chama dos céus: ‘Ó mulher formosa entre as mulheres, faça-me ouvir a sua voz’ [ou seja, o ‘fiat’]. Portanto, se você fizer com que Ele ouça a sua voz, Ele nos mostrará a nossa salvação».

São Bernardo conhecia a exegese judaica?

Não temos informações suficientes para dissipar as dúvidas a esse respeito. No entanto, podemos lembrar que o Santo Doutor repreendia severamente aqueles que perseguiram os judeus ou, pior ainda, cometiam violência física contra eles, chegando ao ponto de matá-los. Além disso, a abadia de Clairvaux, onde São Bernardo residia, estava localizada a cerca de 70 km a sudeste de Troyes, onde havia uma comunidade judaica florescente e famosa, onde o famoso Rabi Salomão ben Isaac, conhecido como Rashî (m. 1105), ensinava.

A humildade do Sinai e a pobreza de Maria

O Monte Sinai, como o monte sagrado da Aliança entre Deus e Israel, é objeto de muitos comentários no judaísmo antigo não bíblico. Em particular, chama a atenção este motivo: para dar a Torah, Deus escolhe o Sinai porque é o mais humilde, o mais baixo de todos os montes, e rejeita os mais altos. Diante de uma afirmação como essa, o cristão naturalmente pensa no versículo do “Magnificat“, onde Maria exalta o Senhor, “… porque olhou para a humildade de sua serva” (Lc 1,48), enquanto derruba os orgulhosos, derruba os poderosos de seus tronos e deixa os ricos de mãos vazias (Lc 1,51-53).

Textos judaicos

O Salmo 68:16-17 diz assim no original hebraico: “Monte de Deus, o monte de Basã, monte de altas cimeiras, o monte de Basã. Por que invejam, ó montes de altas cimeiras, o monte que Deus escolheu para sua morada? O Senhor ali habitará para sempre.”

O targum (ou versão aramaica da Bíblia hebraica) reinterpretou os versículos 8-20 do mesmo salmo aplicando-os à teofania sinaítica, ou seja, à entrega da Torah. Em particular, os versículos 16-17 são parafraseados da seguinte forma: “O Monte Moriá, o lugar onde os antigos Pais adoraram diante do Senhor, foi escolhido para construir a casa do Santuário [o Templo], e o Monte Sinai para a entrega da Lei. O Monte Basã, o Monte Tabor e o Carmelo foram rejeitados; eles têm uma corcunda, como o Monte Basã. Deus disse: ‘Por que vocês saltam, ó montes? Não gostei de dar a minha Lei às montanhas orgulhosas e altivas. Eis que o Monte Sinai é humilde; a Palavra do Senhor fez repousar sobre ele a sua Shekinah…’

Dois elementos são destacados na reinterpretação targumica do salmo citado aqui:

  1. para dar a sua Torah, Deus escolheu o Monte Sinai porque é baixo, é humilde;
  2. Ele rejeitou o Basã, o Tabor e o Carmelo, porque são orgulhosos e soberbos.

A atitude de desprezo deles é comparada a uma “corcunda“. Assim como nenhum homem “corcunda” podia exercer um papel sagrado (cf. Lv 21,17-20), o comportamento altivo dos montes mencionados é considerado como uma “corcunda“, ou seja, uma deficiência física que os tornava incapazes de prestar um serviço litúrgico: eles não podiam se aproximar de Deus, não podiam ser o recipiente de Sua habitação.

O midrash sobre os livros dos Salmos e dos Provérbios continua na mesma linha, oferecendo mais elaborações sobre os dois temas mencionados pelo targum. O midrash sobre o Salmo 68, usando Rabi Nathan (m. 180 d.C.), coloca o Tabor, o Carmelo e o Sinai em cena. O Tabor disse: “É justo que a Shekinah repouse sobre mim. Eu sou o mais alto de todos os montes, e nem mesmo a água do dilúvio me inundou“. O Carmelo, em resposta, reivindicava essa honra para si. Ele dizia: “… eu me coloquei no meio do Mar Vermelho e, com a minha ajuda, os filhos de Israel puderam atravessá-lo“. O Eterno, por sua vez, respondeu: “A arrogância de vocês é uma mancha que já os tornou indignos da minha Shekinah. Nem um nem o outro de vocês é merecedor disso. O Sinai, por outro lado, é ‘o monte que Deus escolheu para Sua morada‘ (Sal 68,17). O Senhor disse: ‘Desejo habitar apenas no Sinai, porque o Sinai é o mais baixo entre vocês. A Escritura declara: ‘Em lugar alto e santo eu habito, mas também com os oprimidos e humilhados‘ (Is 57,15). E ainda: ‘Elevado é o Senhor e olha para o humilde, mas ao soberbo Ele olha de longe‘ (Sal 138,6).

No Livro de Provérbios (29,23), encontra-se este ditado de sabedoria: “O orgulho do homem provoca humilhação, o humilde de coração obtém honra.” Para ilustrar o seu significado, o Midrash principal sobre o Livro de Números apresenta cinco exemplos nos quais dois tipos de comportamento são comparados: um de orgulho e outro de humildade. O primeiro desagrada ao Senhor, enquanto o segundo encontra o Seu favor. Quatro dos exemplos envolvem um par de pessoas:

  1. Adão, que desobedece ao comando divino no Éden (Gen 3,22), e Abraão, que se humilha diante do Senhor (Gen 18,27).
  2. O Faraó, que se recusa a ouvir a voz do Senhor (Ex 5,2), e Moisés, que aceita cumprir um pedido do próprio Faraó (Ex 8,5; 9,29).
  3. Amaleque, que insulta os israelitas (Dt 25,18), e Josué, que o derrota (Ex 17,13).
  4. José, que se orgulha de sua autoridade (cf. Gen 44,24), e Judá, que se curva diante dele, pedindo a devolução de Benjamim (Gen 44,18.32.33).

O quarto exemplo menciona um diálogo imaginário entre três montanhas (Tabor, Carmelo e Sinai) no momento em que o Eterno decidiu dar a Sua Torah: “O Tabor e o Carmelo se apresentaram dos confins do mundo, vangloriando-se ao dizer: ‘Somos altos, e o Santo, bendito seja Ele, dará a Torá sobre nós‘. Mas o humilde de coração obtém honra (Pro 29,23). Estas palavras se aplicam ao Sinai, que se humilhou, dizendo: ‘Eu sou baixo‘. Portanto, o Santo, bendito seja Ele, fez repousar Sua glória sobre ele, e a Torá foi dada em seu topo, concedendo à montanha o privilégio de receber toda essa honra, como se depreende do texto: ‘O Senhor desceu sobre o monte Sinai‘ (Ex 19,20)”.

O texto sugere que o leitor cristão naturalmente associa essas variações judaicas sobre a humildade e a baixeza do Sinai a Lucas 1,48,51-53. Mesmo no mistério da Encarnação, Deus emprega a mesma estratégia. Ele olha para a pobreza de Maria, Sua serva, e derruba as pretensões daqueles que se consideram seguros.

Aqui, deve-se questionar se Lucas, ou a fonte que ele transcreveu, estava ciente dessas meditações judaicas sobre a humildade do Sinai: são anteriores ou posteriores aos Evangelhos? É difícil provar, embora seja certo que alguns motivos expressos no targum do Salmo 68 já eram conhecidos na tradição deutero-paulina de Efésios 4,8. Para os fins específicos de nosso tema, é suficiente notar a clara afinidade entre a perspectiva judaica e cristã, em que o Senhor, Deus da única Aliança, encontra satisfação na humildade do Sinai e na humildade de Maria.

Do Sinai a Nazaré: a universalidade da salvação

O Sinai – como já observavam algumas vozes do judaísmo antigo – está localizado fora da terra prometida da Palestina. Embora não estivesse dentro da terra santa, Deus escolheu essa montanha para oferecer a Israel o Seu maior presente, que é a Torah.

Por que Deus usou essa estratégia?

A resposta é que o Senhor destinava a Sua Lei não apenas a Israel, mas também a todos os outros povos, por meio de Israel. Nazaré da Galileia também é uma localidade quase nas margens da terra santa. A Galileia, de fato, era chamada de “dos gentios” (cf. Is 8,23 nos LXX e Mt 4,15) ou “dos estrangeiros” (1 Mac 5,15). Sendo uma zona de fronteira com a Fenícia e a Síria, pessoas não judias facilmente entravam em seu território. Sendo, por assim dizer, uma região híbrida, habitada também por pagãos, a Galileia acabou recebendo pouca consideração.

Vemos o eco desse desprezo na resposta direta dos fariseus a Nicodemos, quando ele parecia simpatizar com Jesus: “Você também é da Galileia? Estude e verá que nenhum profeta surge da Galileia!” (Jo 7,52). E em relação a Nazaré em particular, Natanael – embora sendo nativo de Caná na Galileia (Jo 21,2) – faz esse julgamento desdenhoso: “De Nazaré pode sair algo de bom?” (Jo 1,46). Assim pensam os homens. No entanto, os caminhos de Deus são muito diferentes (cf. Is 55,8-9).

De fato, na geografia dos Evangelhos, a Galileia se torna sinônimo de universalidade, quase como o oposto do Sinai. Na Galileia, Jesus, o novo Moisés, proclama o discurso inaugural das Bem-aventuranças (Mt 5,1-8,1). Em Caná da Galileia, o Messias realiza o primeiro e o protótipo de Seus “sinais” (Jo 2,1-12). Finalmente, após a Ressurreição, novamente em uma montanha da Galileia (Sinai da Nova Aliança!), o Senhor ordena aos apóstolos que preguem o Evangelho a todas as nações (Mt 28,16-20). E em Nazaré da Galileia, a Palavra se fez carne (Lc 1,26-38; cf. Jo 1,14).

Maria, no momento abençoado em que acolheu o Filho de Deus em seu ventre em Nazaré, estende, de um lado, a vocação universal já presente na escolha de Israel no Sinai, por outro lado, ela aparece como o sinal inicial da abertura cristã para o mundo.

Através de Maria, filha de Sião, Deus envia a toda a humanidade o Seu maior presente, Seu Filho Divino (cf. Lc 2,10; Jo 3,16). A Igreja, com Pedro, reconhecerá que Jesus é o Messias-Salvador dos judeus e dos gentios (At 10,1-11,18). E João confessa que Jesus “deveria morrer… não apenas pela nação [judaica], mas também para reunir em um único corpo os filhos dispersos de Deus” (Jo 11,51-52).

Portanto, um tremor de expansão universal percorre o eixo que parte do Sinai e chega até Nazaré. No Sinai, através de Moisés, Deus oferece a Israel Sua Aliança e Sua Lei de vida, destinada a toda a humanidade. Em Nazaré, através de Maria, Ele oferece ao mundo a Nova Aliança, selada pela Encarnação de Seu Filho, a Palavra da Vida.

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