Maria, mulher livre porque cristã

Introdução

Concluindo a Carta Encíclica Fides et Ratio, o Papa João Paulo II escreve sobre Maria da seguinte forma:

Meu último pensamento está voltado para Aquela que a oração da Igreja invoca como ‘Sede da Sabedoria’. Sua própria vida é uma verdadeira parábola capaz de irradiar luz sobre a reflexão que realizei. De fato, pode-se vislumbrar uma profunda consonância entre a vocação da Bem-Aventurada Virgem e a da filosofia legítima. Assim como a Virgem foi chamada a oferecer toda a sua humanidade e feminilidade para que a Palavra de Deus pudesse encarnar e se tornar um de nós, a filosofia também é chamada a oferecer seu trabalho, racional e crítico, para que a teologia, como compreensão da fé, seja fecunda e eficaz. E assim como Maria, ao dar seu consentimento ao anúncio de Gabriel, não perdeu nada de sua verdadeira humanidade e liberdade, o pensamento filosófico, ao acolher o questionamento que lhe vem da verdade do Evangelho, não perde nada de sua autonomia, mas vê cada uma de suas investigações impulsionada para a mais alta realização. Isso foi bem compreendido pelos santos monges da antiguidade cristã, quando chamavam Maria de ‘a mesa intelectual da fé’. Nela viam a imagem coerente da verdadeira filosofia e estavam convencidos de que deveriam filosofar em Maria. Em Maria, o Papa vê a maravilhosa síntese da relação entre fé e razão, harmonicamente correlacionadas e inseparáveis em sua vida como uma mulher verdadeiramente livre e autêntica cristã. Por isso, a Virgem é o modelo do homo novus e completo, no qual a consistência da fé nunca entra em conflito com a plenitude humana e intelectual, nem é dissociada dela, e que, ao acolher conscientemente a novidade transformadora da fé, se abre com sua inteligência e coração à reciprocidade e ao encontro com a Verdade – Deus em Cristo no Espírito.”

Indissolúvel relação entre fé, razão e liberdade

A fé e a razão são duas dimensões vitais para o ser humano que se propõe a buscar honestamente a Verdade e encontrar respostas válidas para as questões fundamentais de sua existência. Por esse motivo, elas não podem ser separadas ou confrontadas, mas devem interagir juntas, como “as duas forças que nos levam ao conhecimento“.

Santo Agostinho sugere duas fórmulas que também sintetizam o ponto de chegada de sua jornada intelectual e espiritual: “Creio para compreender“, porque a fé abre o caminho para entrar nas portas da verdade; “Compreendo para crer“, porque o entendimento leva a encontrar Deus e a crer. Essa harmonia entre fé e razão significa, sobretudo, que Deus não está distante, mas, pelo contrário, está próximo de cada ser humano, tanto em seu coração quanto em sua razão.

Portanto, dado que “a fé e a razão são como as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva à contemplação da Verdade“, cada pessoa humana tem a necessidade e o dever de percorrer o caminho que a leva a essa contemplação, tanto com fé quanto com razão. De fato, a fé exige ser pensada, tanto porque a Revelação, devido aos seus conteúdos, pede que seja pensada, quanto porque a natureza ontológica do assentimento humano exige que o cristão faça de sua fé um pensamento.

O objeto da Revelação, de fato, é Deus mesmo, que, por meio de Jesus Cristo, comunica ao homem a salvação, que é a própria vida. Razão pela qual, se Deus é o último fim de nossa existência, Ele não pode ser alcançado a menos que seja plenamente conhecido, porque o homem, como afirmou Tomás de Aquino, só pode alcançar seu fim por meio de uma escolha livre que decorre do pleno exercício da razão. E isso acontece porque a fé não é apenas confiar em algo vago, indistinto ou abstrato, mas sim aderir a Alguém, ou seja, a Cristo, o revelador do Deus Trino, é penetrar cada vez mais profundamente no conhecimento de Sua Pessoa, é ouvir cada vez mais inteligentemente e completamente Seu ensinamento, é se relacionar, ser – com – Ele, em um relacionamento íntimo e pessoal.

A fé não seria verdadeiramente fé se fosse apenas uma adesão a princípios genéricos ou uma emoção vazia e desprovida de conteúdo racional e de abertura consciente para um relacionamento interpessoal. A revelação cristã, em última análise, exige que aceitemos plenamente o mistério da Palavra em nossas vidas e exige, com respeito à autonomia e liberdade da criatura, o compromisso de abrir-se ao diálogo com a Transcendência. Se a fé invoca a razão para ser completa, a razão, por sua vez, não pode ignorar esse chamado sem renunciar a ser ela mesma e sem se limitar arbitrariamente em sua capacidade e vocação para responder às questões radicais que envolvem o destino do homem.

A busca da verdade para a qual o homem é naturalmente chamado não é a aquisição de conhecimento parcial, mas sim da Verdade total e totalizadora, capaz de explicar o sentido da própria vida, e, portanto, é uma busca que só pode encontrar sucesso e satisfação na abertura ao Absoluto. Por esse motivo, de acordo com o Papa Ratzinger: «a atitude verdadeiramente filosófica [é aquela de] olhar além das coisas penúltimas e buscar as últimas e verdadeiras».

Em última análise, a invocação da fé nasce da própria razão, que se pergunta se existe o direito de esperar uma plenitude de vida para todo homem e se há um significado final para toda a história humana. A resposta da fé gera no homem uma confiança na razão e um gosto pela pesquisa, pois ele já é capaz de se abrir para a luz do Definitivo. Por conseguinte, Fé e Razão, embora com meios e conteúdos diferentes, são obrigadas a caminhar juntas, para guiar o homem à contemplação da Verdade e ao encontro autêntico com ela em Cristo, libertando-o assim das armadilhas do integralismo e das falsas liberdades.

Maria, mulher completa: racional e cristã

Na Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, João Paulo II define Maria como o arquétipo da mulher, por ser uma mulher completa e extraordinariamente moderna, profundamente ligada à família humana, presente no ponto crucial da história como o único lugar onde a fé e a razão se encontram através de sua aceitação consciente, livre e plena na mente, no coração, na fé e no corpo do Deus que paradoxalmente deseja entrar na história. O evento de Nazaré, a “plenitude do tempo“, no qual o Verbo-Logos se torna carne, depois que o Pai dialogou com uma mulher, parece ser o momento mais significativo e o ponto mais alto da consciência humana e feminina.

  • não oprimia sua liberdade;
  • não ameaçava sua identidade de mulher;
  • não paralisava sua feminilidade;
  • não representava um risco para a autonomia e maturidade de sua personalidade.

Pelo contrário, a ajudava a ser plenamente ela mesma. Por isso, ao abrir-se à totalidade da fé, Maria se entrega a Deus com alegria plena e serena, realizando-se assim como uma mulher verdadeiramente livre e cristã. Não sem razão, Edith Stein, grande filósofa e grande cristã, analisando toda a experiência de Maria, especialmente sua maneira de crer e aceitar livremente o projeto de Deus para sua vida, a chamou de nossa “companheira de viagem” e “protótipo da verdadeira feminilidade“.

João Paulo II, por sua vez, escreve textualmente: «a figura de Maria de Nazaré lança luz sobre a mulher como tal, pelo fato de que Deus, no sublime evento da encarnação do Filho, confiou ao ministério, livre e ativo, de uma mulher. Portanto, pode-se afirmar que a mulher, olhando para Maria, encontra nela o segredo para viver dignamente sua feminilidade e realizar sua verdadeira promoção“.

Respondendo com sua fé consciente ao chamado de Deus, Maria realizou sem reservas o verdadeiro e autêntico relacionamento do homem e da mulher com Deus; ela percebeu qual era o verdadeiro segredo de sua “identidade” e verdadeira “auto-realização“, assumindo, como uma mulher autêntica, livre e cristã, a plena responsabilidade por uma resposta que afetaria o futuro de todos os homens, porque se relacionava com a história de sua salvação.

Maria, sendo a Mãe de Jesus, é a Mãe da única Pessoa humano-divina do Verbo, a quem ela dá a natureza humana, que nele se une de maneira profunda e perfeita – ‘sem divisão’ e ‘sem confusão’, como o Concílio de Calcedônia afirma (cf. DH 302) – com a natureza divina. Maria é verdadeiramente a Mãe de Deus (cf. DH 251-252). Deus pôde realizar isso nela por meio de seu livre consentimento ao plano divino preparado desde toda a eternidade: ‘aconteça comigo conforme a tua palavra‘ (Lc 1,38). Ao mesmo tempo, Maria, porque foi pensada por Deus como aquela que resume toda a criação, abriu para a criação a possibilidade de gerar Deus. É assim que, com ela e nela, a liberdade do homem atinge sua verdadeira plenitude.

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