A Efusão do Espírito em Maria

Quando o Espírito Santo veio, preservou os seus da concepção do pecado de origem não na consciência mas nas profundezas do ser. Pela primeira vez desde a criação de Adão, uma verdadeira face do homem reapareceu na terra. Porque o verdadeiro homem, no desígnio originário de Deus é ao mesmo tempo corpo e alma, a quem Deus comunica o seu Espírito divino para coroar a perfeição. Escreve Santo Irineu, representando o mais antigo pensamento cristão:

«O homem perfeito é a mistura e união da alma que recebeu o Espírito do Pai e que se misturou com a carne modelada à imagem de Deus. O Espírito, mesclando-se com a alma, uniu-se à obra modelada, e na graça desta efusão do Espírito se encontra o homem espiritual e perfeito, o mesmo que foi feito à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26). Mas quando o Espírito faltar na alma, tal homem, permanecendo psíquico e carnal, será imperfeito, tendo de fato a imagem de Deus em seu ser humano, mas não tendo recebido sua semelhança pelo Espírito» (Contra as Heresias, V,6.1). 

Em Maria pela primeira vez, portanto, a graça se uniu com a natureza, o Espírito Santo comunicou-se desde o início a uma carne humana e imprimiu nela a aparência divina, aquela que por graça de adoção já era filha de Deus. Os  Santos Padres estabeleceram o costume de chamar à Mãe de Deus a “Panagia , a Toda Santa” e imune de toda mancha de pecado, quase moldada pelo Espírito Santo que fez dela uma nova criatura. A dornada desde o primeiro momento de sua concepção pelos esplendores duma santidade totalmente singular.

Mas a presença do Espírito em nós, se escondeu quase em segundo plano por trás da autodeterminação do nosso livre arbítrio, ao mesmo tempo em que inspira os propósitos e resoluções, ao mesmo tempo que sustenta as decisões. O seu caminho no Espírito de Maria foi plenamente responsável: um processo de crescimento incessante, nas trevas da fé, no crescimento da esperança, no compromisso do amor, no conhecimento profundo do Senhor.

Como planta frutífera, afundou as suas raízes nas correntes do Espírito e da Palavra de Deus, absorvendo a sua linfa vital. Porque ela era despojada: ​​daquele despojamento abençoado que se transforma em super abundância de dons celestiais e liberdade interior: pobre no Espírito!

«Todos vós, que estais sedentos, 

vinde à nascente das águas; 

vinde comer, vós que não tendes alimento. 

Prestai-me atenção, e vinde a mim; 

escutai, e vossa alma viverá»

(Is 55,1.3)

No interior da sua alma, ela sentia que não tinha nada de próprio em que se apoiar, mas tudo esperava de Deus, que enche de bens os famintos e eleva os humildes ao abraço do seu coração:

«olhou para a humildade de sua serva» (Lc 1,48).

Desta expropriação interior brotou no Espírito o dom de sua virgindade a Deus: não por rejeição dos valores humanos, mas por um desejo irresistível de valores divinos: uma escolha preferencial e esponsal de Deus por amor, para viver o amor divino, ainda que encerrado num coração de carne. São Paulo VI explica:

«A mulher contemporânea perceberá que a escolha de Maria pelo estado virginal, que no desígnio de Deus a dispôs ao mistério da encarnação, não foi um ato de fechamento de nenhum dos valores do estado conjugal, mas constituiu uma escolha corajosa, feita para consagrar-se totalmente ao amor de Deus» (Marialis Cultus, 37).

Ofereceu-se a Deus no Espírito: «vítima diante da grande Vítima» – Nicolau Cabasilas (m. 1390). Assim o Espírito veio modelando na sua alma a encarnação espiritual do Verbo, que então se fez carne em seu ventre.

Maria investida pelo Espírito

A descida do Espírito sobre Maria na Anunciação selou a sua virgindade, dando-lhe uma fecundidade divina sem precedentes; Ele a investiu de chama e poder – como a sarça ardente no Sinai – para permitir que a frágil natureza humana carregue o encarnado o Fogo da divindade – sem ser consumida por ele. Hilário de Poitiers (m. 367) comentou: «O Espírito Santo, vindo do alto, santificou o seio da Virgem e expirando nela – visto que o Espírito sopra onde quer – misturou-se com a substância da carne humana e com sua força e seu poder assumiu o que lhe era estranho (= a carne); e para que não houvesse dissonância devido à fragilidade do corpo humano (de Maria), a Virtude do Altíssimo ofuscou a Virgem, corroborando sua fraqueza, quase a envolvendo na sombra, para que a sombra da Virtude divina desse alívio à natureza corpórea (de Maria) antes da energia seminal do Espírito que entrava” (A Trindade II,26).

Ele a consagrou Arca da santidade, Templo de Deus, Santuário do Espírito, Cidade do Altíssimo, inundada por rios de graça: 

“Grande é o Senhor e digno de louvor na cidade de nosso Deus.

Seu santo monte, estupenda altura, é a alegria de toda a terra.

O monte Sião, morada divina, é a cidade do grande soberano” (Sl 47,2-3).

“Um rio e suas correntes animam 

a cidade de Deus, a morada santa do Altíssimo” (Sl 45,5).

Assim canta o hino mariano mais famoso da antiguidade:

Ave, ó tenda da Palavra de Deus;

Salve, maior que o Santo dos Santos.

Ave, tu arca dourada pelo Espírito 

(Akathistos 23).

O Espírito Santo a consagrou sobretudo como Mãe do Senhor e generosa companheira do Redentor, enxertando-a tão profunda e indissoluvelmente no Filho – como um ramo da videira – que ela não tinha outro desejo senão o do Pai para a salvação do homem. Na alegria e na dor.

Assim, dócil aos movimentos do Espírito, tornou-se a voz da Palavra, a presença operante de Cristo, instrumento da graça. A visita a Isabel marcou um desses misteriosos tempos do Espírito. Maria subiu para as montanhas, impulsionada internamente pelo Espírito Santo que repousara sobre ela e ela subiu: já que o Espírito não conhece atrasos, Santo Ambrósio (m. 397). O encontro com a parente idosa foi uma explosão de exultação messiânica e sopro divino. À humilde saudação de Maria, o Espírito profético investiu João Batista no ventre, que saltou de alegria e encheu também a Mãe do Espírito; e Isabel exclamou em alta voz: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Lc 1,41-42. As mães profetizam, primícias proféticas da Igreja de Cristo. 

As bodas de Caná também foram o tempo do Espírito, mas o momento supremo é o Calvário. Ali o amor, que a permeava e a guiava passo a passo na vida, atingiu o fundo do poço. O Fogo do Espírito Santo, que sacrificou e queimou o Cordeiro imaculado para consumir no madeiro o pecado do mundo: quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu de forma imaculada a Deus, purificará a nossa consciência de atos que levam à morte, para que sirvamos ao Deus vivo! (Hb 9,14), também sacrificou e queimou a Mãe, na dor premente de uma maternidade sem limites de graça. 

Os Padres da Igreja em sua doutrina sobre o Espírito Santo são citados por São Paulo VI quando ele afirma:

«(Os Padres da Igreja) penetrando mais na doutrina do Paráclito, perceberam que d’Ele, como de uma fonte, brotou a plenitude de graça (cf. Lc 1,28) e a abundância dos dons que adornavam. Ao Espírito Santo, por conseguinte, atribuíam a fé, a esperança e a caridade que animaram o coração da Virgem Santíssima, bem como a força que manteve a sua adesão à vontade de Deus e o vigor em que se apoiou a sua “compaixão” aos pés da Cruz» (Marialis Cultus 26). 

Além disso,

«foi o Espírito Santo que sustentou a alma da Mãe de Jesus, presente ao pé da sua Cruz, inspirando-lhe, como já na Anunciação, o Fiat à vontade do Pai celeste, que a quis maternalmente associada ao sacrifício do Filho pela Redenção do gênero humano» (São Paulo VI, Carta ao Cardeal Leone Suenens).

Sublimado no Espírito

No Pentecostes o Espírito Santo desceu mais uma vez sobre a Virgem Mãe no Cenáculo: não mais por ela, nem por Cristo já glorificado à direita do Pai; mas para nós: consagrou-a Mãe da Igreja, Mãe do mundo! Desde então, humilde e escondida como toda mãe, ela está sempre e em toda parte presente: para indicar o caminho, para irradiar a luz.

O Concílio Vaticano II afirma na Lumen Gentium 59: «tendo sido do agrado de Deus não manifestar solenemente o mistério da salvação humana antes que viesse o Espírito prometido por Cristo, vemos que, antes do dia de Pentecostes, os Apóstolos ‘perseveravam unanimemente em oração, com as mulheres, Maria Mãe de Jesus e Seus irmãos’ (At 1,14), implorando Maria, com as suas orações, o dom daquele Espírito, que já sobre si outrora descera na Anunciação».

O Sol divino, Cristo, havia retornado aos céus. Depois de Pentecostes ela permaneceu na terra como um longo e radiante pôr-do-sol, antes que uma estrela brilhasse no céu.

Salve, ó divino raio de sol,

Salve, esplendor de luz perene…

Salve, luz resplandecente que conduz ao Senhor!

(Hino Akathistos, 21).

A última seção biográfica, a que se refere São Lucas, é a postura rezando com a Igreja, pastores e fiéis. É o seu retrato mais verdadeiro. Mesmo no céu, transfigurada pelo Espírito também em seu corpo que se tornou espiritual, ela não cessa, pelo ímpeto do Amor, de estender as mãos para abraçar a terra e levantá-las a Deus para implorar o Espírito.

Porque ela é mãe, o amor, aquele amor que é uma instância viva do Espírito Santo, não lhe dá trégua, até que todos nós – tornando-nos como ela em Cristo glorioso pela obra do Espírito – não estejamos com ela na plenitude eterna de Amor infinito. 

Por isso afirma o Concílio:

«com sua caridade materna cuida dos irmãos de seu Filho ainda errantes e colocados no meio de perigos e angústias, até que sejam conduzidos à pátria abençoada» (Lumen Gentium 62).

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