O Rosário no Vaticano II até os dias de hoje

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O Concílio Vaticano II (1962-1965) foi seguramente um dos momentos mais marcantes na história do cristianismo no segundo milênio e é o ponto de partida para vivermos a fé em Cristo no terceiro milênio. Este Concílio foi aquele que mais espaço dedicou a Maria e também aos exercícios de piedade para com a Mãe da Igreja pois como afirma a Lumen Gentium 67 (1964):

«Muito de caso pensado ensina o sagrado Concílio esta doutrina católica, e ao mesmo tempo recomenda a todos os filhos da Igreja que fomentem generosamente o culto da Santíssima Virgem, sobretudo o culto litúrgico, que tenham em grande estima as práticas e exercícios de piedade para com Ela, aprovados no decorrer dos séculos pelo magistério, e que mantenham fielmente tudo aquilo que no passado foi decretado acerca do culto das imagens de Cristo, da Virgem e dos santos».

São Paulo VI (1963-1978) com a carta encíclica Christi Matri (1966) explica o sentido das palavras do Concílio Vaticano II que mesmo não se referindo explicitamente ao Rosário não deixa de afirmar: «o Concílio Ecumênico Vaticano II, ainda que não expressamente mas com clara indicação, reacendeu na alma de todos os fiéis da Igreja o fervor pelo Rosário, recomendando a estima para com as práticas e exercícios de piedade para com Ela [Maria], como foram recomendados ao longo dos tempos pelo magistério». Na mesma Encíclica o papa recordou que o Rosário é a oração para obter a paz, refúgio e alimento da fé. Alguns anos mais tarde com a exortação apostólica Recurrens mensis october (1969) São Paulo VI afirmou: «meditando os mistérios do Santíssimo Rosário nós aprenderemos, seguindo o exemplo de Maria, a tornarmo-nos almas de paz, através do contato amoroso e incessante com Jesus e com os mistérios da sua vida redentora». Esta grande oração ‘pública e universal’ poderá ser proferida na sua forma estabelecida por São Pio V ou então nas modalidades que a adaptam à legítima necessidade dos nossos dias.

Papa proclama Paulo VI novo santo da Igreja Católica | VEJA

Do ponto de vista histórico, foi esta acentuação à perspectiva de renovação do Rosário que fez surgir novas formas de recitação que encorajaram experiências pastorais de adaptação do Rosário, segundo as experiências locais, inculturadas. Novamente São Paulo VI tratará sobre a questão do Rosário, ainda que de forma difusa, com a exortação apostólica Marialis Cultus (1974) onde o núcleo da oração mariana é explicado nos seus elementos essenciais: a) a contemplação dos mistérios da salvação distribuídos em três ciclos; b) a oração do Senhor e do Pai Nosso, que pelo seu imenso valor é a base da oração cristã; c) a sucessão litânica da Ave Maria é o número fixado pela tradição; d) a doxologia do Glória ao Pai conclui esta devoção com a oração à Trindade Santa. Ao mesmo tempo a súplica de louvor deu origem a novas formulações de orações como se de celebrações da palavra se tratassem.

São João Paulo II (1978-2005) é conhecido pelo Papa do Rosário, sobre o qual interveio com o Rosarium Virginis Mariae (2002) onde exprime o sentido da oração na contemplação do rosto de Cristo em Maria e nas atitudes que o orante deve encarnar como suas quando afirma no n. 14:

«uma escola, a de Maria, ainda mais eficaz, quando se pensa que Ela a dá obtendo-nos os dons do Espírito Santo com abundância e, ao mesmo tempo, propondo-nos o exemplo daquela «peregrinação da fé», na qual é mestra inigualável. Diante de cada mistério do Filho, Ela convida-nos, como na sua Anunciação, a colocar humildemente as perguntas que abrem à luz, para concluir sempre com a obediência da fé: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,38)». 

No decorrer da carta apostólica o Papa polaco propõe à comunidade dos batizados no mesmo Espírito uma nova série de cinco mistérios da luz no n. 21:

«passando da infância e da vida de Nazaré à vida pública de Jesus, a contemplação leva-nos aos mistérios que se podem chamar, por especial título, “mistérios da luz”. Na verdade, todo o mistério de Cristo é luz. Ele é a «luz do mundo» (Jo 8,12). Mas esta dimensão emerge particularmente nos anos da vida pública, quando Ele anuncia o evangelho do Reino. Querendo indicar à comunidade cristã cinco momentos significativos – mistérios luminosos – desta fase da vida de Cristo, considero que se podem justamente individuar: 1º no seu Batismo no Jordão, 2º na sua auto-revelação nas bodas de Caná, 3º no seu anúncio do Reino de Deus com o convite à conversão, 4º na sua Transfiguração e, enfim, 5º na instituição da Eucaristia, expressão sacramental do mistério pascal».

Oração a São João Paulo II - Cardeal Angelo Comastri | Encontro com Cristo

Como elemento de novidade se introduz à enunciação dos mistérios a contemplação de um ícone, a proclamação de um texto bíblico seguido de um pausa de silêncio, nas Ave Maria pode-se introduzir uma cláusula para invocar o mistério e dar relevância ao nome de Cristo; o Glória na oração pública pode também ser cantado e em vez das habituais jaculatórias se aconselha uma oração para obter os frutos da meditação.

Esta ‘nova modalidade’ da contemplação dos mistérios coloca em causa a conformação das Ave Maria com o saltério davídico contudo fica salvaguardado que esta integração não compromete a composição tradicional do Rosário pois é entregue à liberdade dos orantes pois como o Santo Padre do Totus tuus afirma no n. 38: 

«o Rosário pode ser recitado integralmente todos os dias, não faltando quem louvavelmente o faça. Acaba assim por encher de oração as jornadas de tantos contemplativos, ou servir de companhia a doentes e idosos que dispõem de tempo em abundância. Mas é óbvio – e isto vale com mais forte razão ao acrescentar-se o novo ciclo dos mysteria lucis – que muitos poderão recitar apenas uma parte, segundo uma determinada ordem semanal. Esta distribuição pela semana acaba por dar às sucessivas jornadas destas uma certa “cor” espiritual, de modo análogo ao que faz a Liturgia com as várias fases do ano litúrgico. Segundo a prática corrente, a segunda e a quinta-feira são dedicadas aos “mistérios da alegria”, a terça e a sexta-feira aos “mistérios da dor”, a quarta-feira, o sábado e o domingo aos “mistérios da glória”. Onde se podem inserir os “mistérios da luz”? Atendendo a que os mistérios gloriosos são propostos em dois dias seguidos –sábado e domingo – e que o sábado é tradicionalmente um dia de intenso caráter mariano, parece recomendável deslocar para ele a segunda meditação semanal dos mistérios gozosos, nos quais está mais acentuada a presença de Maria. E assim fica livre a quinta-feira precisamente para a meditação dos mistérios da luz. Esta indicação, porém, não pretende limitar uma certa liberdade de opção na meditação pessoal e comunitária, segundo as exigências espirituais e pastorais e sobretudo as coincidências litúrgicas que possam sugerir oportunas adaptações. Verdadeiramente importante é que o Rosário seja cada vez mais visto e sentido como itinerário contemplativo. Através dele, de modo complementar ao que se realiza na Liturgia, a semana do cristão, tendo o domingo – dia da ressurreição – por charneira, torna-se uma caminhada através dos mistérios da vida de Cristo, para que Ele Se afirme, na vida dos seus discípulos, como Senhor do tempo e da história».

Com particular brevidade seja pelo Pontificado que pela produção de caráter mariológico apenas indicamos as palavras de Bento XVI (2005-2013) quando em 2010 em Fátima, Portugal, tendo recitado o Rosário, na capelinha das Aparições, com os vários milhares de pessoas que alí se encontravam disse:

«é uma admirável manifestação de fé em Deus e de devoção à sua e nossa Mãe, expressas com a recitação do Santo Rosário. Esta oração, que está no coração do povo cristão, encontrou em Fátima um centro propulsor para toda a Igreja e para o mundo. A ‘Branca Senhora’, na aparição de 13 de junho, disse aos Pastorinhos: ‘quero que reciteis o terço todos os dias’. Poderemos dizer que Fátima e o Rosário são quase um sinônimo» (Bento XVI, A partir de Fátima, uma mensagem de esperança para além dos horrores da história).

Papa Francisco – Wikipédia, a enciclopédia livre

Já em nossos dias encontramos o Santo Padre Francisco (2013-) quando no dia 31 de Maio de 2013 no encerramento do mês de Maria na praça de São Pedro descreve as atitudes da Mãe de Jesus como: escuta, decisão e ação. Estas palavras acabariam por descrever a atitude do Papa argentino acerca do Rosário que é a contemplação com Maria dos mistérios de Jesus, onde se aprende a ouvir, a decidir-se e a agir pelo Reino de Deus. Portanto o Rosário para o Papa Bergoglio é uma oração que nos educa a estar prontos para ouvir a Palavra de vida e que nos leva a decidir pela opção fundamental que é aquela de seguir Deus em Cristo e tal nos leva à identificação com Maria, mulher de fé, amada por Deus.

Conte para nós quais as graças que você já recebeu com o rosário.

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Responses

  1. Existem outras fórmulas da oração do Santo Terço? Onde posso lê-las?
    Os Mistérios Luminosos foram introduzidos no Rosário, ele é opcional, ouseja, as quintas posso meditar o Mistério que era da quinta (Gozosos)?
    Muito esclarecedor esses três artigos cobre o Rosário. Nas terças eu rezo junto com os jovens e a cada final de uma passagem cantamos uma música que nos leve a meditar a passagem ou uma mariana

  2. Minhas graças com o Rosário são enormes e posso dizer que ele foi  o início de minha vida espiritual. No início de 2010 sentada a porta de uma UTI, à espera de um grande milagre, sem uma formação espiritual, sem saber o que rezar e com um livrinho de orações na mão, no qual a capa estava a Santa Virgem, ouvi muito forte uma voz interior que me dizia  para rezar o terço e naquele instante prometi que o rezaria diariamente por toda minha vida. Vivo intensamente  essa devoção,  faz parte diária do meu viver, minha alegria, minha força, um sentido vivo em minha alma que mudou e continua mudando completamente a minha vida, meu agir, pensar, meu caminhar na espiritualidade, meu amor e sintonia com Deus e a certeza da presença  de MARIA durante a oração do Rosário. Assim, considero nesse primeiro momento três milagres, a graça de meu filho sair vivo daquela UTI , a transformação do meu interior e a confirmação  que MARIA, mesmo sem eu perceber, sempre ao meu lado intercedendo, guiando, protegendo  esteve e está, pois minha vida também é um milagre. SALVE MARIA, MÃE DO ROSÁRIO, MÃE DE DEUS E NOSSA MÃE!!!

  3. A graça que tenho recebido com a recitação diária do Rosário é poder estar mais tempo dedicado à oração e à compreensão dos mistérios de Cristo. O Senhor me concedeu essa graça após a visita que fiz ao Santuário de Fátima, em outubro do ano passado. Em princípio fui para levar minha mãe, mas ninguém sai de lá do mesmo jeito que chegou. Nossa Senhora me chamou para estar com ela no Santo Rosário.

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