Natal: um caminho de profundidade

No Natal, a liturgia nos coloca diante de um gesto simples e decisivo: “prostraram-se e O adoraram” (Mt 2,11). Os Magos, os pastores, e também Maria, em silêncio, reconhecem que, naquela Criança, não está apenas um sinal de Deus, mas o próprio Deus que se torna próximo.
E aqui começa a provocação cristã: adorar a Deus… num Menino.
Há algo, nesse ponto, que desarruma nossas categorias. Porque, em grande parte do mundo contemporâneo, a palavra “adoração” foi sendo empurrada para as margens. Mesmo entre nós, que ainda mantemos uma relação pessoal com Deus, é comum que a oração se torne quase exclusivamente pedido: pedimos luz, pedimos força, pedimos solução, pedimos paz. Isso é legítimo, e faz parte da vida espiritual real. Mas a pergunta permanece: quando foi a última vez que paramos diante de Deus simplesmente para reconhecê-Lo como Deus?
Adorar não é “conformar-se”. Não é apenas aceitar o inevitável com certa sobriedade. Adorar é outra coisa: é reconhecer, com todo o ser, que Deus é Deus — o Absoluto, o Incondicionado, a Verdade que não falha; o Bem sempre digno de amor; a Beleza que desperta júbilo e gratidão. A adoração recoloca a alma na ordem correta. E, por isso mesmo, cura a dispersão.
O Natal acrescenta algo ainda mais desconcertante. Essa Verdade, esse Bem e essa Beleza não se impõem pela força: se deixam encontrar na humildade. Deus é onipotente o suficiente para ser indefeso; glorioso o suficiente para escolher o último lugar; rico o suficiente para “esbanjar-se” em amor. Não é teatro divino (“como se”). É o mistério real da Encarnação.
O Verbo se fez carne. E essa carne fala.
Fala do coração do Pai. Fala do modo como Deus ama. Fala do caminho de Cristo — da manjedoura à cruz. Porque o Natal não é uma cena isolada: é o início visível de uma lógica divina que atravessa tudo. A humildade do presépio e a entrega da cruz pertencem ao mesmo movimento: o amor que não retém nada para si.
E isso tem consequências muito concretas para a vida espiritual e para a formação cristã.
Se Deus se deixa adorar sob “figuras”, e aqui pensamos, de modo particular, no Santíssimo Sacramento, também somos chamados a aprender a ver o mundo com um olhar transfigurado, sobretudo as pessoas. A fé cristã nos dá uma possibilidade rara: perceber em cada pessoa não um “exemplar substituível”, mas alguém amado por Deus de modo único, irrepetível, pessoal. Isso muda a forma como estudamos, como convivemos, como servimos, como atravessamos o cotidiano. Muda, sobretudo, o modo como olhamos o outro quando ele nos interrompe, nos contraria, nos exige tempo, paciência e caridade real.
Por isso, deixamos aqui um convite simples para esta semana de Natal: reserve um momento breve, mesmo que seja no silêncio do caminho, no carro, em casa, antes de dormir e faça um ato de adoração. Não comece pedindo. Comece reconhecendo.
Tu és Deus.
Tu és Verdade.
Tu és Bem.
Tu és Beleza.
E Tu te fizeste próximo.
Quando fazemos isso, algo se reorganiza por dentro. A ansiedade perde parte do seu domínio, a vida interior ganha unidade, e até as tarefas comuns do dia passam a ser atravessadas por uma presença. A adoração não é uma peça decorativa da fé; é o lugar em que a fé se torna, ao mesmo tempo, lúcida e humilde. Ajoelhada e firme.
Que Maria Santíssima, Mãe do Verbo Encarnado, nos conduza a um Natal mais interior: uma fé mais adorante, e, por isso mesmo, mais serena, mais consistente e mais fecunda.
Santo Natal, da família Locus Mariologicus
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