Aprender a contemplar como Maria

Prece e contemplação

Na vida espiritual, a prece e a contemplação são tão essenciais quanto os pulmões são para a vida fisiológica. A prece, que envolve mais as palavras, a audição e a fala, é necessária, assim como a contemplação, que se relaciona mais com os olhos e, portanto, com o olhar. Para nos tornarmos pessoas de oração, para nos tornarmos como sarças em chamas, precisamos tanto da prece quanto da contemplação. A prece, sem a contemplação, corre o risco de se tornar uma oração puramente cerebral e mecânica, caindo no perigo mencionado por Jesus de “multiplicar palavras como fazem os pagãos” (Mt 6,7). Somente a contemplação pode nos permitir praticar uma oração que, embora envolva leitura, meditação e até mesmo palavras faladas, seja realizada com interioridade.

Por outro lado, na visão cristã, a contemplação precisa da prece, da palavra e da escuta. Uma contemplação que consiste apenas em olhar e concentração corre o risco de se tornar narcisista e um falso misticismo. O verdadeiro silêncio que a contemplação busca não é o do deserto, mas sim o silêncio que torna a Palavra audível, que nos permite ouvir o Espírito que guia os caminhos de Deus e nos faz encontrar o Senhor que vem.

A palavra “contemplação” é traduzida do termo grego “theoria“. No entanto, enquanto “contemplação” deriva do latim “contemplari“, “theoria” vem do grego “θεωρειν“. Assim, encontramos dois significados de contemplação: o da visão e o do templo. No entanto, ambos se unem em um único significado, o do centro: nosso olhar sempre parte de nós, situados em um lugar específico que se torna o ponto de vista a partir do qual observamos. Tudo o que vemos e conhecemos é organizado ao redor desse centro. O templo, por sua vez, representa a organização de nossa realidade vivida em torno de um centro no qual colocamos Deus.

Na fé cristã, o centro dessa atividade organizadora é a Cruz, o trono do Cordeiro sacrificado, o coração da Igreja e da ação litúrgica, de onde emana o dom do Espírito. A Cruz e o Pentecostes expressam e atualizam o mistério da morte e ressurreição de Cristo, tornando dinâmica a centralidade da fé e da liturgia, que é uma ação de concentração e descentração na vida da Igreja. No caminho da fé, a vida de cada cristão também participa desse mistério de concentração e descentração eclesial.

No entanto, a obra de concentração e descentração é impossível sem um centro sólido. Esse centro é a presença do Espírito de Deus em nós, o senhorio de Jesus que reina em nossos corações a partir de sua Cruz. Portanto, para sermos contemplativos do Deus vivo, habitados por Ele, a escuta deve ser atenta à Palavra, que se tornou Parábola em nosso tempo, e o olhar deve ser penetrante, capaz de ver a Imagem consubstancial do Pai, em sua Ícone, ou seja, em cada imagem visível aos olhos de carne.

A encarnação do Verbo de Deus

Podemos realizar a oração e a contemplação com Maria a partir do evento da Incarnação do Verbo de Deus. No entanto, essa compreensão é aceitável apenas se reconhecermos que não há contradição no fato de Deus, que é puro espírito, poder encarnar-se.

Como Deus Imaterial poderia tornar-se matéria?

No Prólogo do Evangelho de João, lemos: “No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava voltado para Aquele que é Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1,1). Essa tradução incomum destaca a semelhança de atitude entre o Verbo de Deus e a palavra dirigida por Deus aos seus profetas (cf. Is 38, 4; Jr 1, 2.4.11.13; Ez 6, 1; 7, 1). A expressão grega πρὸς τὸν θεόν (= para Deus) indica a orientação constitutiva do Verbo de Deus, e essa orientação permanece nele, mesmo após a Encarnação, vivificando cada palavra e gesto: tudo vem de Deus e está orientado para Deus.

Nesse Verbo de Deus, que é Deus, está contido, antes mesmo da criação, o projeto criativo, chamado de “divina sabedoria” em termos bíblicos. Começamos a compreender que ser contemplativo significa ser sábio, não segundo a mentalidade do mundo, mas segundo “o pensamento de Cristo” (1 Cor 2, 16). Essa sabedoria celestial consiste em descobrir o plano de Deus nas coisas e nos eventos humanos, em ver tudo com os olhos de Deus, pois tudo é como uma palavra de Deus, que sai da única Palavra que se tornou carne e leva à “compreensão” dela.

Lemos também que Deus, que já havia falado nos tempos antigos muitas vezes e de várias maneiras aos pais por meio dos profetas, nos últimos dias, nos falou por meio do Filho. Este Filho, que é o esplendor de sua glória e a expressão exata de sua substância, é a imagem do Deus invisível, gerado antes de toda a criação (cf. Hb 1, 1-3; Col 1, 15). Portanto, a única Palavra de Deus, o Verbo que se torna carne no ventre de Maria, é toda a expressão de Deus e também toda a expressão da criação: nele se concentra o significado de todas as palavras de Deus, tanto aquelas que criam quanto aquelas que dão sentido à criação.

Daí decorre uma enorme consequência para a vida de fé: quando lemos as Sagradas Escrituras, encontramos “palavras“, mas essas palavras, agora que a Palavra se tornou carne, são realizadas, cumpridas, concentradas na única Palavra que “armou sua tenda entre nós” (Jo 1,14). Jesus tem a chave para descobrir o significado de cada palavra que saiu da boca dos patriarcas e profetas. Portanto, tudo o que lemos nas Escrituras é palavra que sai de sua boca, é o seu pão repartido para nós que nos unimos a ele.

O Verbo de Deus, com o gesto da Encarnação, torna-se matéria assumindo uma voz e um rosto humano, para ser ouvido por nossos ouvidos e visto por nossos olhos. Ele se aproxima do homem tornando-se Palavra parabólica (ou seja, Parábola) e se mostra ao homem tornando-se Imagem visível (ou seja, Sinal: uma imagem que nos faz pensar, por meio do que mostra, naquilo que é invisível e não pode ser visto com os olhos do corpo). Com isso, toda a Escritura se torna parabólica, porque a Palavra, que estava voltada para Deus, ao se encarnar, também se voltou para o homem, colocando-se ao lado do homem e tornando-se assim uma Parábola. Precisamos descobrir essa Palavra que vive ao nosso lado e que constantemente se dirige a nós.

Parece que o Verbo está ao nosso lado para fazer a jornada da vida conosco, e só podemos compreendê-lo aceitando caminhar com ele e apenas no caminho, após a decisão de aderir a ele, podemos alcançar uma compreensão dele por meio de um relacionamento com ele. A dimensão parabólica cobre toda a revelação de Deus, realizada por meio de palavras, e também a realizada por meio de gestos e eventos. Tudo acontece como aconteceu com os discípulos de Emaús, que ouviram a explicação das Escrituras e reconheceram Jesus no gesto de partir o pão.

Podemos deduzir que existem duas consequências do Verbo de Deus encarnado: ele se torna Parábola a partir da Palavra (uma palavra sempre pronunciada ao lado do homem) e se torna Sinal a partir da Imagem consubstancial do Pai (uma imagem histórica que o mostra em cada evento da existência humana). E ele se irradia em muitas palavras e parábolas, em muitas imagens e gestos (comuns e extraordinários), para que possamos encontrar o nosso caminho que nos leva a ele.

Nesse caminho em direção ao Verbo encarnado, Jesus Cristo, Maria é nossa mãe e mestra, nos ensinando a usar nossos ouvidos e olhos para passar das palavras para a Palavra e das imagens para a única Imagem do Deus invisível. Portanto, “Bem-aventurados os vossos olhos, porque veem, e os vossos ouvidos, porque ouvem” (Mt 13,16). Essa referência aos ouvidos e olhos expressa uma lei antropológica: o homem se abre para a realidade através das duas janelas da audição e da visão. Na tradição filosófica, a audição e a visão são consideradas os sentidos estéticos por excelência, o que significa que são as aberturas corporais da mente, que permitem ao homem entrar em relação com a realidade que o rodeia.

Maria e por consequência a Igreja, ao se revelar e nos conduzir ao Senhor respeitam essa nossa estrutura. Na Igreja, ao lado da tradição das Escrituras, desenvolveu-se a tradição das imagens sagradas, que tornam de alguma forma sensível a Palavra e a Imagem de Deus. Podemos ampliar a audição com a contemplação: uma compreensão profunda da revelação não pode negligenciar a sagrada iconografia.

Neste ponto, podemos compreender a função de Maria na oração e na contemplação da Palavra de Deus. Maria está sempre com Jesus, está totalmente relacionada a Jesus: assim como o Verbo está totalmente voltado para o Pai, Maria está totalmente voltada para o Filho. Daí vem a sua exemplaridade em relação à salvação. Em consonância com essa função, Maria nos mostra como ouvir a Palavra por meio das palavras, como ver a Imagem consubstancial do Pai olhando para os ícones da divina caridade e como nos tornarmos moradas do Espírito Santo, de louvor a Deus Pai em Cristo Jesus.

Nenhuma criatura é tão erudita quanto Maria, que é oração, um direcionamento absoluto para Cristo. Maria também nos mostra como nos tornarmos eruditos, como nos direcionarmos para Cristo e como sermos oração e contemplação. Para isso, três etapas se impõem, e Maria nos ajuda a realizá-las:

  • da Parábola à Palavra, ouvindo as palavras de Deus;
  • da Ícone à Imagem consubstancial do Pai, olhando para os ícones (configurações históricas dos eventos salvíficos) com fé;
  • de ter uma orientação de contemplação a sermos contemplação do Deus vivo que caminha conosco e ao nosso lado.

Ouvir Maria é a chave para entender a Palavra, enquanto olhar é a chave para ver o Invisível. Com seu ouvido e seu olhar, podemos inflamar nossas vidas com o fogo do Espírito Santo e nos tornar aquelas “presenças ardentes” que o Pai procura, como Jesus revelou à mulher samaritana: “Acredite em mim, mulher, chegou a hora, e é esta, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade; e o Pai procura adoradores assim” (Jo 4, 23).

A escuta atenta de Maria

Para compreender a profundidade e a amplitude do atento escutar de Maria, devemos descer até a gruta do Nascimento em Belém e reviver a visita dos pastores ao berço de Jesus. Os pastores vieram e contaram muitas coisas maravilhosas que aconteceram naquela noite enquanto vigiavam o rebanho; “E todos os que ouviram se admiraram das coisas que os pastores diziam; Maria, por sua vez, guardava todas essas coisas, meditando-as em seu coração” (Lc 2,18-19). Aqui, o escutar de Maria é meditação, e para entender essa atitude dela, é importante saber que meditar traduz um verbo grego característico, que significa reunir, unir, recolher.

Maria praticava a meditação das Sagradas Escrituras e meditava sobre tudo, porque reunia em seu coração tudo o que ouvia e entendia sobre Deus: ela unia palavra a palavra, conhecimento a conhecimento, decisão a decisão, amor a amor. Assim, ela entrava cada vez mais no mistério de Deus e na compreensão de Sua Palavra. Todo esse trabalho de meditação é marcado por grande discernimento: Maria sabe o que aceitar e o que deixar de lado. Descobrimos esse dom dela especialmente no relato da Anunciação (Lc 2,26-38). Maria ouve e vê coisas verdadeiramente extraordinárias; e ela é uma mulher devota, amante do Senhor. Ela é chamada de “cheia de graça“; um anjo assegura a ela que “o Senhor está com ela” e que ela foi escolhida para ser a mãe do Messias, que se sentará no trono de Davi.

No entanto, Maria não se deixa levar; dir-se-ia que tudo isso não lhe sobe à cabeça, mas sim que ela toma uma atitude de distância e submete o anjo a uma verificação: “Como isso é possível? Eu não conheço homem” O anjo lhe responde com precisão, dá todas as explicações que ela busca, e conclui que aquele que nascerá dela será concebido pelo Espírito de Deus. Então Maria fecha seu discernimento, sua meditação, aceitando as palavras do anjo: se se trata de dar consentimento ao Espírito Santo, não há problema, pois eu sou a serva do Senhor; que se faça em mim, então, o que você mesmo disse!

Para Maria, é o suficiente, ela consegue imediatamente reconstruir tudo, de um versículo a um salmo inteiro, de um detalhe a um episódio inteiro e isso porque a Palavra de Deus lhe é familiar. Através da meditação, lentamente, Maria alcança o Verbo de Deus, ela o concebe em seu coração antes mesmo de em seu ventre. O que está no coração do Filho está no coração da Mãe: Maria e Jesus vivem em profunda sintonia. Só assim podemos entender o episódio das bodas de Caná, a reação de Jesus à informação de Maria sobre a falta de vinho.

Penso que Maria não acelerou o tempo dos milagres de Jesus, mas que, em seu espírito profético, ela o viu chegar e preparou tudo para que a transformação da água em vinho fosse acolhida como um momento da divina misericórdia. O milagre das bodas de Caná revela de forma surpreendente o espírito de profecia de Maria, aprofundado nas Escrituras e inteiramente voltado para o Verbo revelador. À observação de Jesus: “A minha hora ainda não chegou” (João 2,4), Maria não responde, mas orienta os servos: “Fazei o que ele vos disser“.

Maria sabe que a hora está prestes a chegar; e esse conhecimento lhe vem de seu espírito de profecia. Assim, entendemos como nosso escutar atento da Palavra de Deus se torna hábil: entendemos as parábolas, as palavras com significados colaterais que servem para esclarecer (àqueles que aderem a Jesus) e também para ocultar (àqueles que não aderem a Ele), e então combinamos palavras e gestos até descobrir a única Palavra e o único Gesto: a Cruz, revelação e dom do Amor de Deus.

Dir-se-ia que Maria escuta as palavras e compreende as parábolas, através do silêncio e da vigilância, que tornam a Palavra audível, o assombro com a compreensão do Falante, a memória que guarda na intimidade pessoal o caminho com a Palavra. Como resultado, a meditação produz uma profunda conversão de nossa liberdade, que é a razão de nossa razão, orientando-nos completamente para o Verbo da Vida. A meditação da Palavra lentamente se converte em relacionamento com Aquele que fala e em contemplação com Aquele que, embora permanecendo oculto, permite que Seus amigos O encontrem e vejam: o atento escutar da Palavra provoca um olhar capaz de penetrar no mistério.

O olhar penetrante de Maria

Para entender o olhar de Maria, a sua capacidade de entrar com os olhos da fé no mistério do Amor de Deus, precisamos subir com ela ao Calvário, aos pés da Cruz de Jesus. Aqui, Maria vê o que os outros não veem: seu olhar profético, “do olhar penetrante” (Num 24,3), vislumbra a Presença de todas as presenças na manifestação suprema do Amor divino. Lemos que “todas as multidões, que vieram para ver o que tinha acontecido, voltaram batendo no peito. Enquanto isso, os amigos de Jesus e as mulheres que o tinham seguido desde a Galileia ficaram a certa distância e observaram tudo o que estava acontecendo” (Lc 23,48-49).

O evento da morte de Jesus é chamado por Lucas de “theoria“, uma palavra grega com profundo significado: theoria era a explicação suprema de tudo. Lucas encontra na Cruz essa explicação de tudo e, com Lucas, também Maria, que vê o que os outros não veem, porque seus olhos estão lavados pelas lágrimas e dilacerados pela dor.

Para penetrar com o olhar no mistério do Amor de Deus, é necessário que primeiro o mistério penetre o olhar, amolecendo o coração. A oração realizada pelo olhar, tanto exterior quanto interior, brota da manifestação suprema do Amor de Deus pelo homem. A Cruz se torna, assim, o coração da vida contemplativa, porque é o lugar onde o Amor é derramado sobre nós. A Cruz é o Ícone da caridade de Deus, como expressou de forma bela São Máximo, o Confessor, o pleno dom do Amor de Deus ao homem. É possível, assim, compreender o que o segundo Concílio de Niceia (787) afirma na definição dogmática, ao especificar o tipo de veneração reservado às sagradas imagens.

Não se trata, segundo nossa fé, de um verdadeiro culto de latria, que é reservado apenas à natureza divina, mas de um culto semelhante ao prestado à imagem preciosa e vivificante da Cruz, aos santos Evangelhos e aos outros objetos sagrados, honrando-os com o oferecimento de incenso e velas, como era costume nos tempos antigos. Pois a honra prestada à imagem passa para aquele que ela representa, quem venera a imagem, venera a pessoa daquele que nela está representado.

Neste ponto, parece-me claro que, se quisermos amadurecer na oração, na contemplação do mistério da Cruz, que é o trono do Cordeiro em torno do qual a Igreja se reúne, precisamos descobrir, talvez redescobrir, a tradição iconográfica da Igreja. Existe uma iconografia na Igreja do Oriente e do Ocidente: a primeira é mais figurativa e encontra sua expressão mais característica na pintura (ou melhor, escrita) de ícones, a segunda é mais abstrata e encontra sua expressão mais característica na arquitetura (especialmente o gótico).

Hoje, ainda há oportunidades únicas: a cruz, o crucifixo, o círio pascal, o altar são imagens a serem decifradas e interiorizadas, que entram como imagens sagradas na ação litúrgica. Existe também uma redescoberta da arte dos ícones, latinos e bizantinos, que oferecem uma oportunidade singular para a oração. No entanto, para “ler” essas imagens, é necessário um método, caso contrário, podemos acabar no sentimentalismo ou em atribuições de significado completamente gratuitas, o que não favoreceria uma contemplação sábia, em harmonia com a tradição viva da Igreja e em sintonia com a liturgia.

Se um ícone é compreendido, recebendo o seu serviço de referência ao arquétipo, então ele permite a lectio divina, com mais profundidade e clareza do que um texto das Sagradas Escrituras pode fazer. Um método positivo de leitura de ícones pode ser resumido em cinco momentos:

  • tema;
  • narrativa;
  • estímulo;
  • distância;
  • labirinto.

Descobrir o tema, até com a ajuda da inscrição, significa identificar o texto das Escrituras ao qual o ícone se refere. Cada ícone deve tornar visível, com desenho e cores, o que as Escrituras anunciam com palavras.

O tema é então expresso no ícone com uma linguagem visual e isso cria uma espécie de narrativa, uma sequência de imagens que tornam o ícone um equivalente visível da realidade invisível à qual se refere e se crê.

O estímulo refere-se à função das cores, porque a cor é um estímulo psicoemocional. Uma leitura correta do ícone permite identificar a cor central e as cores secundárias, que se harmonizam como as notas de uma música. O aspecto cromático e seu simbolismo implícito são responsáveis pela força terapêutica dos ícones, que são capazes de curar o imaginário e libertá-lo da agressividade de imagens perversas.

No entanto, é também necessário manter distância dos estímulos cromáticos, porque o homem não é apenas imaginativo (noite), mas também racional (dia). Somos conduzidos a essa operação pela descoberta da perigrafe do ícone, do simbolismo geométrico e abstrato subliminar.

Cada ícone tem seu segredo, oferece o seu tesouro, além do que se vê imediatamente. E esse tesouro sugere o símbolo do labirinto, porque a leitura do ícone é como um caminho que leva precisamente à sala do tesouro, à Jerusalém celestial, como nos labirintos que encontramos no chão de certas igrejas antigas, percorridos de joelhos pelos penitentes, em substituição à peregrinação à Terra Santa. Cada ícone se apresenta como uma pequena iconóstase, que esconde e revela, para olhos penetrantes, o mistério da fé. Ele é como um labirinto a ser percorrido de joelhos, lentamente, até descobrir o ponto de irradiação que queima nosso olhar, fazendo-nos pensar com amor no que é real, mas invisível.

O fogo que queima o olhar, introjetado, acende o coração e aquece a oração e a contemplação. Se um ícone não for consumido pelo olhar, permanecerá como uma superfície externa, talvez tão bonita a ponto de ser olhada repetidamente, até se tornar respeitável. Isso poderia resultar em ídolo, uma manipulação ímpia do ícone.

Maria, a contemplação de Deus

Maria realiza plenamente a divina teoria, ou seja, a compreensão completa do Amor de Deus pelo homem e, ao mesmo tempo, torna-se um exemplo da salvação, da orientação de nossa existência para Deus. Na Mãe de Jesus, a contemplação, como teoria e como templo, torna-se perfeita. “Todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus; – e o vosso corpo é templo do Espírito Santo que está em vós, o qual possuís de Deus” (Rom 8,14; 1 Cor 6,19).

A contemplação, como teoria, adquire seu significado junto à Cruz, de onde Jesus derrama o Espírito. Como templo, adquire seu significado no Pentecostes, que coloca Jesus no centro da Igreja como a fonte que jorra para a vida eterna: “Jesus, levantando-se, exclamou em alta voz: ‘Se alguém tem sede, venha a mim e beba, aquele que crê em mim, como diz a Escritura: ‘Do seu interior manarão rios de água viva’. Isto ele disse a respeito do Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito ainda não fora dado, porque Jesus não tinha sido ainda glorificado” (Jo 7,37-39).

A contemplação cristã, evangélica, não é especulação filosófica, mas um evento que envolve a caridade de Deus e conecta a Cruz com o Pentecostes, através do “amor de Deus derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rom 5,5).

Maria é a contemplação de Deus, porque ela é a morada do Espírito Santo, o templo do Espírito Santo. Maria está aberta ao Doador no dom que ela recebe. Como carismática, ela se transforma continuamente em uma mulher espiritual, ela se doa ao Doador, recebendo sempre o dom de Deus assim, ela está totalmente focada em Deus.

Não devemos nos surpreender ao encontrar Maria no Cenáculo, não muito longe do Calvário, com os apóstolos e outros discípulos de Jesus, “que perseveravam unanimemente em oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus” (At 1,14), aguardando a vinda do Espírito Santo prometida por Jesus. No Cenáculo, Maria lidera a oração dos discípulos de Jesus: parece que, em outra dimensão, ela continua seu serviço prestado nas bodas de Caná.

Na noite de Páscoa, Jesus se apresentou no meio do Cenáculo, com as portas trancadas, para libertar seus discípulos do medo, através do dom da paz e do Espírito. Agora estamos novamente no Cenáculo e Jesus não está presente, porque ele subiu aos céus. No entanto, Maria está lá (às vezes a arte iconográfica a coloca no lugar de Jesus), liderando a oração da Igreja nascente, reunindo-a ao seu redor como um centro.

Maria pode realmente ser o centro na oração da Igreja, porque ela está totalmente centrada em Cristo, ela é completamente erudita: Maria e Jesus são um só. Maria é o templo do Deus vivo, porque em seu seio, em seu coração e em seu espírito, o Espírito de Deus encontrou uma morada permanente. Não é exagero, então, afirmar que Maria não ora, mas é oração. Maria não contempla, mas é contemplação.

O contemplativo cristão é aquele que centralizou e concentrou toda a sua existência em Cristo, tornando-se a morada do Espírito Santo. A morada é estável e a concentração é contínua, o contemplativo vive e compreende tudo o que lhe acontece no sentido certo, porque em seu coração a Palavra de Deus ressoa sempre, mantendo-o em relação com o Falante.

Ao mesmo tempo, o contemplativo, bem centrado em Cristo, descentra a presença do Espírito que habita nele, irradiando o amor de Deus na Igreja e no mundo. Isso esclarece uma bela definição da contemplação de São Gregório Magno: “A vida contemplativa é viver o amor a Deus e ao próximo com todo o coração e com o único desejo de aderir ao Criador“.

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