A Virgem do Natal
Introdução
Entre as festas cristãs que não caem no domingo, o Natal é, sem dúvida, a primeira e principal, depois dos domingos de Páscoa e Pentecostes. O Natal é uma festa profundamente amada pela piedade da Igreja e pela devoção popular, sendo também muito valorizada pela nossa cultura contemporânea, apesar dos abusos do consumismo. Para os cristãos, o Natal é um momento importante: é a celebração do grande mistério da presença do Verbo feito carne em meio a nós. Por isso, sua celebração deve ocorrer de forma reflexiva e consciente. Um Natal celebrado sem preparação penitencial, sem uma Eucaristia alegre e solene, sem atenção aos pobres e marginalizados, sem austeridade e moderação, sem partilha e perdão mútuo, sem a súplica à Maria, a Virgem da espera, é um Natal banal, que não deixa marcas na vida.
Maria na liturgia do Natal
No dia 25 de dezembro, a liturgia celebra o “Natal de nosso Senhor Jesus Cristo segundo a carne”, conforme mencionado no antigo martirológio latino. Contudo, o nascimento de um filho é também uma festa da mãe. Por isso, o tempo natalino constitui uma memória prolongada da maternidade divina, virginal e salvífica de Maria, cuja virgindade imaculada trouxe ao mundo o Salvador (Marialis cultus 5). Antífonas, responsórios e hinos do dia de Natal e da sua oitava transbordam de admiração reverente pelo parto virginal de Maria e de amor pelo fruto bendito de seu ventre: “Hoje o Rei do céu nasce para nós da Virgem, para conduzir a humanidade perdida ao reino dos céus”.
Na oitava de Natal, em 1º de janeiro, a liturgia celebra a solenidade de “Maria Santíssima, Mãe de Deus” com profunda alegria: “Salve, Mãe Santa, tu deste à luz o Rei que governa o céu e a terra pelos séculos dos séculos”. (Marialis cultus 5) comenta que essa solenidade, posicionada no início do ano civil, celebra o papel de Maria no mistério da salvação, exaltando sua singular dignidade. É uma ocasião propícia para adorar o recém-nascido Príncipe da Paz, recordar o anúncio angelical de “paz na terra aos homens” e implorar de Deus, por mediação de Maria, Rainha da Paz, o dom supremo da paz. Essa celebração amplia o sentido da maternidade de Maria para abarcar toda a Igreja e a humanidade, sobre as quais se suplica a plenitude da paz no seu mais profundo significado bíblico.
Outras festas do Tempo de Natal
No dia 6 de janeiro, a Epifania do Senhor celebra a vocação universal à salvação e contempla Maria como verdadeira Sede da Sabedoria e Mãe do Rei. Na narrativa dos Magos, Maria apresenta o Redentor aos gentios, que reconhecem e adoram o Menino como o Cristo Messias (cf. Mt 2,11). Além disso, a festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José (celebrada no domingo entre a oitava de Natal) celebra o mistério da infância e da vida oculta do Salvador, destacando Maria em sua plena função de Mãe. Nesse período de kenosis do Rei da Glória, Maria aparece como guardiã das memórias de palavras e eventos relacionados a Jesus, participando profundamente de sua vida.
Por fim, a Festa da Apresentação do Senhor (2 de fevereiro), celebrada no 40º dia do Natal, recorda o mistério salvífico operado por Cristo com a íntima união de Maria, sua mãe. Neste evento, Maria entrega o Menino aos braços de Simeão, proclamando Jesus como luz para as nações e glória de Israel (cf. Lc 2,32), reafirmando a inseparável conexão entre o Filho e a Mãe na obra da salvação (Marialis cultus 7).
Piedade popular mariana no Tempo de Natal
No tempo do Natal, “grande parte do rico e complexo mistério da manifestação do Senhor encontra ampla eco e expressões próprias na piedade popular” (Diretório 108). Recordemos, por exemplo, a árvore de Natal, a troca de votos, os presentes, os cantos, os presépios, o beijo do Menino Jesus e sua colocação no presépio montado na igreja ou em suas proximidades. Algumas expressões de piedade popular têm sua inspiração original nos acontecimentos da infância do Salvador e, portanto, são um convite obrigatório à figura de Maria, sua Mãe.
Presépio
O presépio caracteriza o período natalino. Seus elementos essenciais são sugeridos pelos Evangelhos da Infância. São Lucas narra o nascimento de Jesus em Belém, dos pastores que velavam o rebanho, como fazia o jovem Davi nos arredores da cidade. São Mateus indica Belém como o lugar visitado pelos magos, que se dirigiram ao Messias guiados pela estrela, o símbolo geográfico do Natal. O presépio, de fato, é a reconstrução das páginas evangélicas que inspiraram São Francisco de Assis, na noite de Natal de 1223, a organizar em Greccio, uma pequena aldeia da Úmbria, a sagrada representação do nascimento de Jesus, após ter obtido a permissão do Papa Honório III. Diversas figuras aparecem todos os anos no presépio: os pastores, que acolhem o anúncio do anjo; o rebanho que descansa tranquilo; as casas da cidade ao longe; a gruta e a manjedoura com os protagonistas: Maria, Jesus e José e, em lenta marcha rumo a Belém, a caravana dos magos.
A construção progressiva do presépio pode assumir uma força pedagógica. Com toda probabilidade, é um dos instrumentos mais eficazes para visualizar as cenas evangélicas, certamente dotado de uma energia maior do que a dos modernos meios audiovisuais. Seria extremamente positivo acompanhar a construção do presépio referindo-se às páginas evangélicas. Planejar em etapas a colocação das figuras nos respectivos grupos de cenas poderia oferecer a oportunidade, nos dias que antecedem o Natal, para ler – uma vez colocado cada grupo – o trecho correspondente do Evangelho: de Lucas, para o nascimento de Jesus e para o anúncio aos pastores, de Mateus, para os magos. Essa referência aos Evangelhos ajudaria também a dar ao presépio a perspectiva da fé cristã, evitando que se confunda com um jogo infantil.
Quanto à personagem “Maria de Nazaré” na cena “presépica”, nos primeiros séculos do cristianismo prevaleceu a tipologia iconográfica helênica da Natividade, onde Maria é representada sentada. Mais tarde, desenvolveu-se a tipologia siríaca, com a Mãe de Deus deitada, que sobreviveu até o século XIV. A colocação atual de Maria no presépio, de derivação franciscana, dá evidente destaque ao seu papel fundamental de Mãe. Maria, ajoelhada com a cabeça ligeiramente inclinada para frente, mantém as mãos juntas em gesto de adoração ao divino Filho na manjedoura. Veste uma túnica longa rosa, típica da antiga Palestina, e “está coberta com um manto azul que a cobre da cabeça aos pés e traz três estrelas – uma na cabeça e duas nos ombros – para significar sua virgindade antes, durante e depois do parto e a graça da Trindade divina que a santificou no espírito, na alma e no corpo“.
Cânticos natalinos
No século XVIII, Nápoles se destacou pela construção de presépios: desde aquele feito pelas próprias mãos do rei Carlos de Bourbon para o palácio real, passando pelos clássicos de Somma, Bottiglieri, Cappelli e especialmente de Sammartino, até os mais simples, mas também mais autênticos, nas casas dos pobres, nos porões, nas lojas e nos becos.
Nesse fervor de artesanato sagrado, Santo Afonso, na “Novena de Natal”, insere sua meditação convidando os fiéis a fazerem do próprio coração um presépio, onde acolher Cristo que vem. Em sintonia com seu povo, o santo espera, reza, canta e se alegra pelo Natal. Com espontaneidade e frescor, que garantem ao canto valores eternos, Afonso contempla Maria ao lado do Menino entoando-lhe a canção de ninar: o cosmos para, estático diante deste milagre de amor: “Fermarono i cieli / la loro armonia / cantando Maria / la nanna a Gesù” [Os céus cessaram / a sua harmonia / cantando Maria / a canção de ninar para Jesus]. Pelo menos no Natal, todos devem se alegrar e rezar; até mesmo os meninos de rua. Para eles, o santo recorre ao dialeto. Não é irreverência ou desleixo literário, mas busca de uma comunicação de sabor confidente: “Quanno nascette Ninno a Bettalemme era notte e parea miezo juorno” [Quando nasceu o Menino em Belém era noite e parecia meio-dia]. Contudo, o canto “Tu scendi dalle stelle” [Tu desces das estrelas] indissoluvelmente ligou o nome de Santo Afonso à solenidade do Natal. O santo remonta ao imenso amor de Cristo, que se fez Menino, através do ritmo de eficazes contrastes. O amor verdadeiro não suporta distâncias e Cristo não se limita a contemplar os sofrimentos do homem, mas os experimenta e compartilha em sua carne. Desce então das estrelas e vem a uma gruta, ao frio, ao gelo; à riqueza de Criador do mundo, à festa eterna no seio do Pai, prefere uma pobreza absoluta, até a falta de roupas e de calor, até à dor e ao pranto. Mas eis que, entre a terceira e a quarta estrofe, a chave da mensagem: “Tu piangi non per duol, ma per amore… Caro, non pianger più, ch’io t’amo, io t’amo…” [Tu choras não por dor, mas por amor… Querido, não chores mais, porque eu te amo, eu te amo…]. O canto, então, termina, em sintonia com o pensamento alfonsiano, com o recurso e a invocação a Maria, a última esperança para reordenar as coisas: “O Maria, speranza mia, s’io poco amo il tuo Gesù, non ti sdegnare; / amalo tu per me s’io nol so amare” [Ó Maria, minha esperança, se eu amo pouco o teu Jesus, não te indignes; / ama-o tu por mim, se eu não sei amá-lo]. Ainda hoje, com Santo Afonso, é possível reencontrar os ritmos certos para uma autêntica atmosfera natalina. Já o havia intuído o gênio de Giuseppe Verdi quando, depois de ouvir o hino do santo durante a vigília natalina de 1890, no Palácio Doria em Gênova, exclamou: “Sem esta pastoral, o Natal não seria Natal”.
Redescobrir a Ave Maria
“A solenidade de 1º de janeiro, eminentemente mariana, oferece um espaço particularmente adequado para um encontro da piedade litúrgica com a popular: a primeira celebra aquele evento com os modos que lhe são próprios; a segunda, se devidamente educada, não deixará de dar vida a expressões de louvor e felicitação à Virgem pelo nascimento de seu Filho divino, e de aprofundar o conteúdo de tantas fórmulas de oração, a começar por aquela tão querida pelos fiéis: ‘Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores‘” (Diretório 115). Na verdade, a Ave Maria, que começou, por assim dizer, com a redação do Evangelho de Lucas e foi concluída, do ponto de vista litúrgico-jurídico, apenas em 1569, quando Pio V a introduziu no Breviário Romano, é a oração mais conhecida e mais comum que a Igreja dirige à Mãe de Deus: aprende-se desde crianças e repete-se por toda a vida. É uma oração simples e popular que tem sua origem no Evangelho e, no entanto, carrega em si uma série de expressões que manifestam o ânimo humano em sua situação concreta. É a oração que coloca o orante em relação com a Mãe de Jesus e nossa mãe, à qual apresenta sua saudação e seus pedidos.
Fruto da inspiração divina e da experiência eclesial, a Ave Maria sempre ressoará como o louvor mais puro e a súplica mais intensa dos filhos pecadores, mas confiantes na intercessão de Maria, de cujo ventre virginal nasceu o Salvador do mundo. Como verdadeiro tesouro de fé, de amor filial, de confiança e de esperança segura, a Ave Maria é oração bíblica, porque a primeira parte é extraída do Evangelho de Lucas; é oração eclesial, porque reflete a experiência da Igreja e expressa sua fé; é oração litúrgica, porque aparece evocativamente em várias celebrações da Liturgia das Horas e dos santos mistérios; é oração popular, porque constitui o núcleo essencial de exercícios piedosos muito difundidos e amados pelo povo cristão, como o Angelus Domini e o Rosário; é, por fim, oração catequética, porque é fonte inspiradora do ensino da Igreja e objeto ela mesma de sua catequese. O que é a Ave Maria, senão um colar formado por duas ou três pérolas todas extraídas das Escrituras, e atadas por uma pedra preciosa, o nome de Jesus?
A primeira parte é um louvor e coloca em nossos lábios a saudação que Deus dirigiu, por meio do anjo, a Maria de Nazaré (Lc 1,28) e o elogio que Isabel dirigiu à Mãe do Senhor (Lc 1,42-43). Trata-se de uma síntese rigorosa do mistério da Virgem: de sua santidade e da transformação operada nela pela graça (“cheia de graça“), de sua singular eleição (“bendita entre as mulheres“), do favor com que Deus a acompanha na missão que lhe confia (“o Senhor é contigo”), de sua maternidade messiânica e salvífica (“bendito o fruto do teu ventre“).
A segunda parte é uma súplica e é fruto da experiência da Igreja: de sua fé na maternidade divina (“Mãe de Deus“), de sua confiança na intercessão materna e misericordiosa da Virgem (“rogai por nós“), acompanhando o cristão, fraco e pecador (“pecadores“), no caminho da vida: “agora“, o presente, como expressão concreta da vida e possibilidade única de agir; e “na hora de nossa morte“, como ocasião decisiva: momento temido e desejado, sombrio e luminoso, de luta e de repouso, de fim e de início.
Entrega familiar à Sagrada Família de Nazaré
“A festa da Sagrada Família de Nazaré oferece um âmbito celebrativo adequado para o desenvolvimento de alguns ritos ou momentos de oração próprios da família cristã” (Diretório 112). Essa festividade poderá ser ocasião para a renovação da entrega familiar à Sagrada Família de Nazaré, a bênção dos filhos, prevista no Ritual, a renovação dos compromissos matrimoniais ou a troca das promessas nupciais dos noivos (cf. Diretório 112).
Quanto à fórmula de oração do “Ato de Entrega”, legitimamente aprovada, o Diretório indica os comportamentos a serem adotados, os critérios a serem considerados e as modalidades de execução: como indica o Manual das Indulgências, “deve ser expressa de maneira correta, em uma linha, por assim dizer, litúrgica: ao Pai por Cristo no Espírito Santo, implorando a intercessão gloriosa de Maria, à qual se entrega totalmente, para observar com fidelidade os compromissos batismais e viver em atitude filial em relação a ela; deve ser realizada fora da celebração do Sacrifício eucarístico, tratando-se de um gesto de devoção não assimilável à Liturgia: a entrega a Maria, de fato, se distingue substancialmente de outras formas de consagração litúrgica” (Diretório 204).
Conclusão
O tempo natalino é marcado por uma rica integração entre liturgia e piedade popular, ambas orientadas para celebrar a encarnação do Verbo e o papel único de Maria, Mãe de Deus, na história da salvação. Seja através da solene liturgia do Natal e suas festas associadas, seja pelas expressões populares como o presépio, os cantos natalinos ou a oração da Ave Maria, a figura de Maria é continuamente exaltada como modelo de fé, esperança e maternidade espiritual.
Neste tempo, somos convidados a contemplar Maria em seu papel fundamental na obra da salvação, redescobrindo a profundidade de sua união com Cristo. Assim como ela acolheu o Salvador em seu ventre e o apresentou ao mundo, também nós somos chamados a acolhê-lo em nossos corações e testemunhá-lo em nossa vida cotidiana. Que as celebrações natalinas renovem nossa fé e nos inspirem a viver o mistério do Natal com a simplicidade, a confiança e o amor que caracterizam a Virgem Maria.
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