A Mãe de Deus e seu olhar de ternura

Começamos por uma narração edificante das Igrejas do Oriente: diz-se que Deus ficou muito amargurado pelo fato que o seu Filho unigênito tivesse sido rejeitado pelos homens no mundo. Contudo Deus Pai não queria que o mundo se perdesse, então decidiu enviar a Mãe de Jesus para que a sua ternura atraísse todos e ninguém pudesse rejeitar a salvação.

Esta narração por quanto seja singela não deixa de conter uma verdade antropológica importante: sermos acolhidos com ternura não está fora do horizonte de Deus. Se é verdade que o mundo da era industrial chega ao fim abrindo-se a era da informação, um problema subsiste, a técnica e estruturas de trabalho que não humanizam. Neste sentido o valor da ternura da acolhida equilibra a vida frenética do homem metropolitano, a solidão, competição agressiva, assédio invasor do mundo web, a eterna descoberta das coisas não previstas, boas e más… tudo isto é parte do grande emblema de Maria: acolher com ternura o imprevisível, o totalmente outro. 

Maria acolheu no coração e no corpo o Filho de Deus. Contrariamente a escribas e fariseus que foram hostis a Jesus, Maria é em tudo acolhimento, na sua pobreza radical abriu-se a Deus e viu a sua presença. Por isso mesmo a iconografia de Maria, contrariamente aos imperadores que são representados de lado nas moedas, apresenta Maria de frente à luz de Deus onde acolhe e indica aos peregrinos da Igreja a vida de Cristo. 

A acolhida terna de Maria vai além do horizonte do mundo que nós conhecemos porque se abre a uma hospitalidade pessoal, para além da local, pois acolhe o Deus que vem. Esta acolhida da Mãe de Jesus é feminina mas também obra do Espírito Santo. Reflete a paternidade de Deus tornando-se a ‘face materna de Deus’ uma expressão de ternura que evoca a misericórdia do Pai e que na tradição latina expressamos como Mãe de Misericórdia. Desta forma Maria responde a dois gritos da nossa humanidade: a necessidade de ternura e a valorização da mulher. O ‘cimento armado’ das metrópoles aloja mas não acolhe, as pessoas comunicam mas sem compaixão na dureza dos dias. Maria pelo contrário acolheu com ternura o Menino, o Crucificado, o Ressuscitado e os filhos no Filho que o abandonaram na cruz! Do ponto de vista feminino Maria nutre, defende e acolhe a vida de todos os crucificados de todos os tempos. Não podemos pensar Maria sem pensar nas mulheres a quem Ela entrega os seus tesouros em cada virgindade consagrada ou maternidade esponsal.

Se pensarmos no ateísmo da idade contemporânea vemos este desprezo pela Virgem Mãe e pelas mulheres que salvaguardam os valores morais humanizantes capazes de equilibrar as estruturas materialistas. 

Dizia Pavel Evdokimov (teólogo russo): “Ora, se Cristo salva o mundo, é a Theotokos que o protege e introduz na sua desumanidade a atenção que se torna sensível à graça… A ternura materna que está ligada ao culto da Theotokos infunde no humanismo cristão uma nota absolutamente particular de doçura.”

O mundo, a Igreja, o homem todos só podem ganhar no encontrar-se com Maria, pois ela significa na realidade concreta dos dias a compaixão divina o paradigma do acolhimento do outro não colocando entraves, preconceitos, juízos, condições na sua ternura materna. Ficamos com as palavras do Santo Padre Papa Francisco quando se encontrou com os Bispos de México em 2016:

«Sei que ao olhar para os olhos da Virgem alcanço o olhar da vossa gente que n’Ela, aprendeu a manifestar-se. Sei que nenhuma outra voz pode falar tão profundamente ao coração mexicano como a voz da Virgem; Ela protege os seus desejos mais altos, as suas recônditas esperanças; Ela recolhe as suas alegrias e as suas lágrimas; Ela compreende os seus numerosos idiomas e responde-lhes com ternura de Mãe porque são os seus filhos. (…) Como fez São Juan Diego e o fizeram sucessivas gerações de filhos da Guadalupana, também o Papa já há algum tempo tinha o desejo de a ver. Mais ainda, eu mesmo queria ser alcançado pelo seu olhar materno. Refleti muito sobre o mistério deste olhar e vos peço, acolhei aquilo que sai do meu coração de Pastor neste momento. Sobretudo, a Virgem Morenita nos ensina que a única força capaz de conquistar os homens é a ternura de Deus. Aquilo que encanta e atrai, aquilo que convence e vence, aquilo que abre e desfaz as correntes não é a força dos instrumentos ou a dureza da lei, mas antes a debilidade onipotente do amor divino que é a força irresistível da sua doçura e a promessa irreversível da sua misericórdia».


E hoje, motivados pela Ternura da Virgem, queremos também motivar a cada cultor de Mariologia a prática da “revolução da ternura”. Hoje é um dia de agir concretamente em família, em casa, com os seus, ou talvez com aqueles que há tanto tempo esperam uma prática de ternura sua. Quem sabe uma ligação para alguém que te espera, um obrigado ao seu ente que tem cuidado de sua casa, das suas coisas. Quem sabe talvez uma mensagem de carinho, um abraço, um “eu te amo” bem dito. O Espírito Santo irá inspirar você nesse dia a atos concretos de ternura.
Depois queremos que vocês partilhem conosco aqui como foi o seu ato concreto!

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Responses

  1. Olá! Hoje, eu participei de um encontro em que uma pessoa fez a seguinte pergunta ao sacerdote que orientava o grupo: “Padre, como olhar o mundo com um olhar de ternura?”. Debatemos um pouco acerca desse tema. Bem, creio que este texto responda à pergunta, isto é, se nos inspirarmos em Maria, se estivermos em conformidade com as atitudes de Maria – a obediência, o silêncio, a dedicação, o acolhimento, o cuidado etc. conseguimos, acredito, olhar o mundo com um olhar de ternura. Não penso que seja uma alternativa, mas, talvez, a única alternativa de que dispomos. Não sei.

  2. Mãe de Deus…um olhar de ternura!
    Esta é a beleza da verdadeira alegria que vem da vibração dulcissima e materna que reluz e contagia, das emoções intensas de um coração amado como o de uma mãe para com seu filho; cheio de ternura. Um olhar,,cheio de ternura, que o mundo tanto necessita!!!

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