As origens da Esperança: uso não cristão
Introdução
Dando continuidade à nossa série sobre As Origens da Esperança, nesta segunda parte exploraremos como o conceito de esperança (ἔλπις) foi compreendido e utilizado na tradição grega e romana. Com um olhar atento sobre os textos literários, filosóficos e religiosos da Antiguidade, veremos como a esperança, inicialmente ligada à suposição racional, evoluiu para incorporar ideias mais amplas, incluindo a confiança no além e a conexão com práticas místicas. Vamos mergulhar no fascinante mundo do pensamento clássico e descobrir como a esperança moldava a visão de futuro dessas civilizações.
Mundo grego-romano: da expectativa moderada à confiança no futuro
Na cultura grega, ἔλπις geralmente era interpretado como suposição ou avaliação racional das circunstâncias, como observado em diversos textos da época (Van Menxel, pp. 36-62). Contudo, frequentemente vinha acompanhado de advertências contra um otimismo desmedido, como exemplificado na Odisseia de Homero, onde o exagero na esperança é criticado (Homero, Odisseia, 3.226-228).
O mito da Caixa de Pandora, relatado por Hesíodo, é um marco na compreensão grega de ἔλπις. Nesse mito, a esperança permanece na caixa após todos os males serem liberados, representando uma perspectiva futura que os deuses pouparam aos humanos (Trabalhos e Dias, vv. 90-105). Esse uso, entretanto, estava mais associado à opinião ou suposição (δόξα), como ilustrado por autores como Teógnis e Píndaro.
Píndaro, por exemplo, relaciona ἔλπις a termos como φραδαί (conselhos prudentes) e γνώμη (opinião), sugerindo que a moderação era essencial diante do destino (Ode Olímpica 12.5-6a). Com o passar do tempo, especialmente a partir do século V a.C., ἔλπις passou a ter significados mais variados. Ésquilo a utilizava tanto para pressentir desgraças futuras (Prometeu Acorrentado, vv. 248-251) quanto para expressar expectativas genéricas (Agamêmnon, vv. 505-507).
Já Eurípides expandiu seu uso para incluir desde suposições racionais (Helena, vv. 1523-1525) até virtudes que orientam a ação humana (Héracles, vv. 105-106). Por outro lado, Isócrates apontava que a verdadeira esperança está conectada à vida justa e piedosa, prometendo um futuro melhor para quem segue esse caminho (Oração 8.34).
Os primórdios de uma esperança na vida eterna
Platão, uma das figuras centrais da filosofia grega, deu grande atenção ao conceito de ἔλπις, associando-o frequentemente à opinião (δόξα). Em seus textos, ἔλπις aparece como uma antecipação racional do futuro, ora caracterizada por temor, ora por confiança (Leis 1, 644c; Fílebo 12d).
Um dos momentos mais marcantes de sua obra é quando Platão conecta ἔλπις à imortalidade. Em A República, por exemplo, Céfalo, uma personagem, menciona que o homem justo possui uma “doce esperança” (ἡδεία ἔλπις) em relação à vida após a morte (República 1, 330d/la). No Fédon, Sócrates expressa sua confiança no além ao afirmar que a morte não o assusta, mas o encoraja com base na tradição de que os justos encontrarão um destino melhor que os maus (Fédon 63c).
Essa perspectiva culmina na ideia de que ἔλπις está ligada ao ἔρως (amor ou desejo), como um anseio pela verdadeira realidade, algo que transcende o mundo presente (Fédon 66b/7c). Essa esperança, para Platão, não é apenas uma suposição racional, mas um elemento essencial para aqueles que buscam a justiça e a verdade.
Esperança e os Mistérios de Elêusis
Os mistérios de Elêusis representam um capítulo fascinante na evolução da esperança no mundo antigo. Segundo o Hino Homérico a Deméter, Deméter concedeu à humanidade dois dons: as colheitas e a iniciação nos mistérios, que prometiam uma “doce esperança” para o além (Hino Homérico a Deméter, 480-484). Essa tradição religiosa integrava uma visão ética e mística, exigindo uma conduta justa no cotidiano, especialmente em relação aos mais vulneráveis, como escravos e estrangeiros.
Platão frequentemente se baseava nessa tradição ao descrever expectativas sobre o além, sugerindo que os iniciados nos mistérios de Elêusis recebiam insights especiais sobre a imortalidade (Fédon 63c; Fédro 248c-250a). No entanto, o conceito de ἔλπις transcendeu a mera religião e se tornou uma visão integrada de vida, preparando os indivíduos para a morte e para um futuro eterno.
Conclusão e continuidade
Nesta etapa da série, vimos como ἔλπις se desenvolveu no pensamento grego, inicialmente como uma suposição racional e gradualmente incorporando elementos mais profundos, como a esperança no além. Essa transformação reflete o quanto a esperança influenciava não apenas as crenças, mas também a conduta ética dos indivíduos.
Na próxima newsletter, exploraremos como a tradição judaico-cristã redefiniu o conceito de ἔλπις, transformando-o em um elemento exclusivamente positivo e profundamente teológico. Continue nos acompanhando nesta jornada histórica e filosófica!
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