A Mariologia de Ratzinger no 3ª segredo de Fátima

https://youtu.be/l13j4c6SPn4

A terceira parte do segredo revelado a 13 de Julho de 1917 na Cova da Iria-Fátima

Escrevo em acto de obediência a Vós Deus meu, que mo mandais por meio de sua Ex.cia Rev.ma o Senhor Bispo de Leiria e da Vossa e minha Santíssima Mãe. 

Depois das duas partes que já expus, vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fogo em a mão esquerda; ao centilar, despedia chamas que parecia iam incendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos n’uma luz emensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas n’um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fôra de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dôr e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de juelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam varios tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n’êles recolhiam o sangue dos Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus. 

Irmã Lúcia Tuy 03/01/1944

 

Talvez nunca como em 26 de junho de 2000 a sala de imprensa do Vaticano tenha estado lotada de jornalistas vindos de todo o mundo. Compreensível exagero da mídia, porque o terceiro segredo de Fátima estava prestes a ser revelado. E como sabemos, um segredo sempre desperta curiosidade. 

Até o bombista Ali Agca numa conversa cara a cara com São João Paulo II em Rebibbia em 1983 perguntou-lhe: Qual é o terceiro segredo de Fátima?, com a intenção de encontrar uma explicação para o seu ato criminoso. Ele escreveria no livro delirante “Eu, Jesus Cristo:” «Eu entendi que estava no centro de um mistério que começou em 13 de maio de 1917».

Outros, como o alemão Louis Emrich, conseguem publicar em 1963 na Neues Europa um texto inventado do segredo de Fátima que contém notícias alarmantes sobre cataclismos universais (catástrofe de fogo e chamas) e lutas dentro da Igreja, onde «Cardeais serão contra cardeais e bispos serão contra bispos. Satanás se colocará no meio deles».

Neste contexto, a revelação da terceira parte do segredo de Fátima foi confiada por João Paulo II ao Cardeal Ratzinger, o então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Esta revelação derrota a mania sensacionalista e o alarmismo fácil, despertando decepção em alguns, satisfação em outros, e indiferença entre muitos. 

Os desapontados permanecem aqueles que esperavam anúncios de cataclismos universais e males catastróficos. 

Aqueles que viveram o segredo como um pesadelo do qual finalmente se libertam declaram-se satisfeitos.

Indiferentes são aqueles que dizem que no Evangelho já está tudo o que é necessário para a salvação dos indivíduos e do mundo, provavelmente incorrendo na reprovação bíblica para aqueles que são insensíveis a visões e profecias.

«E o Senhor advertiu a Israel e a Judá, pelo ministério de todos os profetas e de todos os videntes, dizendo: Convertei-vos de vossos maus caminhos, e guardai os meus mandamentos e os meus estatutos, conforme toda a lei que ordenei a vossos pais e que eu vos enviei pelo ministério de meus servos, os profetas», (2 Reis 17,13).

Como um verdadeiro teólogo, o Cardeal Ratzinger distinguiu os dois níveis de revelação, reivindicando a primazia absoluta da revelação definitiva, pública e necessária que ocorreu de uma vez por todas em Cristo, enquanto as demais comunicações celestes têm uma função subsidiária: «A autoridade das revelações privadas é essencialmente diferente da única revelação pública», mas «a revelação privada é um auxílio a esta fé, e manifesta-se como credível precisamente porque me remete à única revelação pública».

No que chama de «uma tentativa de interpretação do “segredo” de Fátima» o Prefeito da Congregação para a Doutrina da fé pode constituir «um caminho de salvação» algo que pode resultar surpreendente como a  «devoção ao Imaculado Coração de Maria».

Consiste praticamente numa opção fundamental, que, seguindo os passos de Maria, insere a disponibilidade à vontade de Deus no âmago do eu humano. 

Para entender isso, uma breve indicação pode ser suficiente aqui. «Coração» significa, na linguagem da Bíblia, o centro da existência humana, a confluência da razão, da vontade, do temperamento e da sensibilidade, onde a pessoa encontra a sua unidade e a sua orientação interior. 

O «coração imaculado» é, segundo Mt 5,8, um coração que, partindo de Deus, alcançou a perfeita unidade interior e, portanto, «vê a Deus». 

A «devoção» ao Imaculado Coração de Maria aproxima-se dessa atitude do coração, na qual o fiat – “seja feita a tua vontade” – torna-se o centro informante de toda a existência.

Continuando com a análise, o cardeal entende que assim como a palavra-chave da primeira e segunda partes do “segredo” é salvar as almas, a palavra-chave da terceira parte é o triplo grito: Penitência, Penitência, Penitência!

Este grito deve situar-se no atual momento histórico, «caracterizado por grandes perigos, que serão delineados nas imagens seguintes». E aqui a figura luminosa de Maria aparece como um antídoto eficaz contra as perniciosas tendências necrófilas existentes no mundo.

Agora vamos olhar mais de perto para as imagens individuais. O anjo com a espada de fogo à esquerda da Mãe de Deus lembra imagens semelhantes do Apocalipse. Representa a ameaça de julgamento que paira sobre o mundo. A perspectiva de que o mundo possa ser reduzido a cinzas em um mar de chamas não aparece mais como pura fantasia hoje. A capacidade bélica do homem preparou a espada de fogo com suas invenções.

A visão mostra então a força que se opõe ao poder da destruição – o esplendor da Mãe de Deus – e, de certo modo vindo a partir daqui, o apelo à penitência. Como se vê, existe um embate frontal entre as forças da morte (necrófilas), representadas pela espada de fogo que gostaria de incinerar o cosmos, e as pulsões de vida (biofílicas), condensadas paradigmaticamente no “esplendor do Mãe de Deus“. 

O retorno ao Imaculado Coração de Maria é tão inevitável quanto benéfico: tudo se resolve com um apelo à liberdade humana para que ela se oriente decididamente para a vontade divina «em uma direção positiva» para a salvação e a vida, e não para a destruição e morte.

Desta forma, a importância da liberdade humana é sublinhada. O futuro não é de forma alguma determinado de forma imutável, e a imagem que as crianças viram não é de forma alguma um filme de previsão do futuro, do qual nada poderia ser mudado.

Toda a visão realmente ocorre apenas para trazer a liberdade para a cena e transformá-la em uma direção positiva. O significado da visão, portanto, não é mostrar um filme sobre o futuro irremediavelmente fixado. Seu significado é exatamente o oposto, o de mobilizar as forças da mudança para o bem.

A salvação está ancorada numa antropologia autêntica, segundo a qual o fatalismo é substituído pela responsabilidade e pelo compromisso, capaz de mudar o rosto do ser humano e o movimento da história.

Acerca da identidade do Bispo de Branco, o Cardeal afirma:

«Em sua cansativa subida da montanha podemos sem dúvida encontrar vários Papas convocados, que desde Pio X até o atual Papa compartilharam os sofrimentos deste século e se esforçaram para prosseguir entre eles no caminho que leva à cruz. Na visão, o Papa também é morto no caminho dos mártires. Não era suposto o Santo Padre reconhecer nele o seu próprio destino quando lhe foi entregue o texto da terceira parte do Segredo, após o atentado de 13 de maio de 1981?»

Mas se é verdade que o “Terceiro Segredo” diz respeito aos mártires e papas cristãos do século XX, não podemos, entretanto, excluir que o período de tempo que ele abrange não se limite apenas ao século passado. Foi o Papa Bento XVI, quem defendeu a possibilidade de que ele abranja também o presente e o futuro, quando afirmou precisamente em Fátima: «aqueles que pensam que a missão profética de Fátima está concluída» estariam iludidos, no segredo «para além desta grande visão do sofrimento do Papa, que em primeira instância podemos referir ao Papa João Paulo II, indica realidades do futuro da Igreja que gradualmente se desenvolvem e se mostram» (Fátima, 11 de maio de 2010).

Ratzinger finaliza a interpretação com este parágrafo, e cito: “Queria, no fim, tomar uma vez mais outra palavra-chave do segredo que justamente se tornou famosa: « O meu Imaculado Coração triunfará ». Que significa isto? Significa que este Coração aberto a Deus, purificado pela contemplação de Deus, é mais forte que as pistolas ou outras armas de qualquer espécie. O fiat de Maria, a palavra do seu Coração, mudou a história do mundo, porque introduziu neste mundo o Salvador: graças àquele « Sim », Deus pôde fazer-Se homem no nosso meio e tal permanece para sempre. Que o maligno tem poder neste mundo, vemo-lo e experimentamo-lo continuamente; tem poder, porque a nossa liberdade se deixa continuamente desviar de Deus. Mas, desde que Deus passou a ter um coração humano e deste modo orientou a liberdade do homem para o bem, para Deus, a liberdade para o mal deixou de ter a última palavra. O que vale desde então, está expresso nesta frase: « No mundo tereis aflições, mas tende confiança! Eu venci o mundo » (Jo 16, 33). A mensagem de Fátima convida a confiar nesta promessa. “

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Sobre a posição de Pio XII, Lúcia lhe escreveu várias vezes para lhe dizer que “chegou o momento em que Deus pede ao Santo Padre que faça, em união com todos os bispos do mundo, a consagração da Rússia ao Imaculado Coração, prometendo salvá-la por este meio.
Algumas palavras desta carta de 24 de outubro de 1940, precisamente as referentes aos bispos, foram omitidas na carta de 2 de dezembro do mesmo ano por sugestão dos superiores para facilitar a aceitação do pedido no Vaticano. Pio XII mostrou-se sensível a Fátima consagrando a santa Igreja e o mundo inteiro em 31 de outubro de 1942 e repetindo-o solenemente em 8 de dezembro do mesmo ano. Em 15 de dezembro de 1951 Lúcia confirmou o que já havia expressado, a saber, que o pedido de Nossa Senhora sobre a Rússia não foi atendido.

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